segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Cartas de Saudade

Sonhas por dentro os sonhos,
choras a amargura da saudade
e os teus elementos medonhos.

A noite do dia e o dia da fortuna
deixa-as dormir no meio do sossego,
grudadas à cimeira de uma coluna.

As múltiplas granadas de esperança
ficam a léguas de distância do planalto
que a prava da saudade não alcança.

Mas no livro da madrugada
escreve rascunhando as tuas
cartas de vigente apaixonada.

Pois ama-me, aprimora-me.
Se gostas de mim como soletras,
amor não penses, incorpora-me.

«jd»
com Patrícia.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Repercussão

Não sei explicar a saudade do que não tenho. Nunca tive palavras cortadas, nem filmes mudos. Sou homem de extravagâncias modestas. Vivo em cima da colina, onde o sonho desagua e a verdade se esquece. Vivo numa singela cabana, num hotel de silvas baratas que incomodam. As flores crescem em abundância, mas eu sempre tive medo de as regar. Escrevo-as porque, se pensares bem, elas permanecem na memória de quem morre, mas nunca de quem homenageia quem morre. Isto é um pecado esquecido.
Quando eu tiver a inteligência a morrer e o corpo a desenvolver-se, aí sim, será a altura vertical de fazer jus ao que não fiz. Vou registar tudo o que não fiz numa biografia de episódios não-vividos. Essa lista nunca será tão grande quanto as aventuras do que vi e respirei, das sensações colhidas e dos frutos podres que se me obrigaram a mastigar, mas pode ser que quem leia goste à mesma. As pessoas gostam dessas coisas. Gostam de imaginar o 'e se?'. Porque não alimentar-lhes esse ego inexistente? Vê lá, eu até sou uma alma gentil.
As pessoas gostam dessas coisas, gostam de conjunturar futuros. Gostam de equilibrar as coisas, mas tristes são porque não sabem que até nisso são chorosamente trapalhonas. Eu próprio baralho tudo quando tento ser lógico. Mas nunca o sou. Por isso limito-me a pensar no passado; penso no lado ilógico de quem fez tudo certo. Repara que a história é feita de atos assim. Peças de teatro divididas em múltiplas cenas, onde os atores e atrizes, esses rapazes e raparigas de outrora, que deram tudo para que não desse certo - mas como acabou tudo bem e pelo melhor - são, ainda hoje, heróis. Parvos heróis, injustos heróis? Não. Só heróis.
A história é o supremo livro triunfal. E eu? Eu continuo nesta minha paupérrima colina. Rica em ouro, mas sem ninguém para a sua extracção.
Se ninguém viver perto de ti, serás como a minha colina (serás eventualmente, como eu). Serás tudo de melhor, mas sem ninguém para aproveitar o que de melhor tens. Dá o que não tens para que possas receber o melhor dos outros. Eu, por exemplo, nunca dou o melhor de mim para entreter seja quem for. Esse egoísmo está no Eu poeta que escreve de amor, de virtude, de aventuras. É por isso que estou nesta colina, é por isso que sou passageiro. A vida é breve e feia quando falo de mim. Mas eu quase sempre falo de mim.

«jd»

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Jogo da Glória

Um minuto de silêncio,
uma pausa na palavra,
um momento sem remorso
da colheita que nos lavra.

Somos a palidez feita por Deus
somos o que é e o que não é,
nascemos como humanos escolhidos
para rechear a Arca de Noé.

Somos a glória
e o seu solto jogo.
Somos a atração
de um revolto fogo.

Somos a violência do sexo
e a primazia da evolução,
todavia crianças prematuras
que carecem de educação.

Somos bons homens e vis mulheres
entrelaçados numa bolha.
Na cama somos feras,
mas na árvore somos folha.

Toda a aventura começa
com o primeiro passo:
mas a passada primeira
é fugir do futuro fracasso.

O sucesso é de paz e calma.
A minha flor precisa de atenção:
água na alma e sol no coração.

«jd»

domingo, 23 de dezembro de 2012

Está à Venda

Está à venda o vento inutilizado
que marcha pelas marés.
O galante cabelo grisalho
de um velho sem nada,
nada mais é que como um
barco preso numa enseada.

A guerra dos ricos
e a riqueza dos guerreiros.
A rixa dos sem abrigo
e a insígnia cor da íris.
Amorfinamo-nos pela saudade
dos órfãos quadros de giz.

Nem te dás conta de que
a mortalha já passou a ponta.
Não entendes o sacrifício virgem
e ingénuo de quem te quer.
Viajas sozinha no vácuo
de uma galáxia qualquer.

Está à venda a dádiva e o amor,
os céus, o tempo e o espaço.
Tudo a desapreço de Deus,
tudo de contra-oferta divina.
Para que a nossa paixão volte a galopar,
vai precisar de muito mais que morfina.

«jd»

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Amarga Fantasia

Um quarto sem janelas
é um quarto sem janelas.
Uma porta que não funciona
é uma porta disfuncional.
Ensina-me se quiseres uma
outra corrente antinatural.

Podia lavar a noite,
mas a noite está limpa.
Podia brindar aos céus,
mas água não serve para brindes.
A vida é uma grande bola
e as crianças são berlindes.

Requisitaria-te aos céus maiores,
podia ter-te só por uma noite.
Levar-te-ia para tão longe,
onde a vista não alcança.
Meu amor, fica tu encarregue
de equilibrar a nossa balança.

Balança balançando
no baloiço da avenida.
As luzes colam-se ao céu
e a sombra prima à negra teimosia.
E nós os dois, aqui, de mão dada,
traçando-nos numa amarga fantasia.

«jd»

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Invicto

É com felicidade que eu ascendo
como ar quente devorado por um balão.
Amor é aventureiro como dirigível
leve e suave como uma bola de sabão.

Jornadeio nessa jovial bola de sabão
esperando que me regues lábio após lábio.
Enxergo-te todos os pontos fortes,
as virtudes impressas no alfarrábio.

Vendo mapas e engenhocas de ti
linhas e bordeis de inocência,
razões para me manter perto
e deitar borda fora esta carência.

Esta é a cidade onde a criança brinca,
alegre no Porto, pelos passeios calcetados.
Ela sabe do amor e sabe do romance
que nos reserva a ser tolos apaixonados.

Deixemos a infância brindar à saudade
enquanto zarpamos rio abaixo,
a velha música louva o idoso Douro
com as cordas de piano e de contrabaixo.

«jd»

dedico aos tantos amores que se estreiam na Invicta.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Tempo de Irreflexão

O tempo que perco, o tempo que dispenso
sem olhar e sem caminhar ninguém,
é um tempo e uma atmosfera do imenso
onde a reflexão se aniquila pelos caprichos do além.

Quando não os uso - os sentidos -
progrido pelos passeios calcetados e belos
de nevoeiro alvacento; são nomes de apelidos
nunca gravados nas descartas dos castelos.

Prendo-me nesse cavalgar
enquanto rumino o não-pensamento,
reverbero atos precipitados do pensar
durante a minha conjuntura de isolamento.

«jd»

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Horizonte

A tecla marinha, a deflação do céu, o firmamento e o desembarcar ás oito da noite num porto de ilhéu. A corda de estrelas que me acorda de um sono ao de leve situado, anuvia desde o passaporte do mistério, à força da palavra e ao bilhete dourado.

Heis a descrição de uma aventura que se avigorou em depravar o horizonte. A promiscuidade de tornar uma linha tão pura, numa maldade comparável à de Caronte. Essa linha desenhada pela mão natural, é onde o Sol nasce e onde ele descansa, separa corações pela inabilidade do olhar total, no diário de uma atracção fera e mansa.

Deste lado eu sonho com algo bonito e alado. Sonho com o voar dos anjos, com todas as suas vestes e arranjos. Iludo-me e fantasio com a virtude de estar vivo, sentindo na veia o dom quente de viver. Sei por quem vivo e por quem daria tudo até morrer. Sei que é deste lado da cordilheira que está a parte fundamental do instrumento de viver, porque embora a Estrela já tenha florido além limites, por cá eu ainda não a vi nascer. Há-de iluminar pelo vidro de uma janela ou até sob o sabor amarelo de uma tela.

O Horizonte é a distância entre o aqui e o ali - é a castidade - é o passar de um colibri sem idade.

«jd»