quarta-feira, 24 de abril de 2013

Intervalo Merencório

Porque me pedes para dançar
se sabes que sou a parte mecânica?
Sou a engrenagem que move os passos

na balada, ao sabor do vapor da orla satânica.

Atentas à dilatação do tempo,
aterrorizando tudo que por ele vive.

Sempre foste jovem enquanto eras nova,
agora és o velho aparte do agigantado declive.

Para todo um fim há enumeras
ramificações de novos inícios.

Experimenta ver o abismo como
um próprio atentado aos teus precipícios.

Se a melancolia anulasse alguém,
eu seria o próximo candidato ao purgatório.
Mas como a nostalgia ainda não mata,
fico com esta paixão de intervalo merencório.

«jd»

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Seda Sedeada

Durmo com os medos que qualquer amante tem:
depreendo que durmo pouco por esse motivo.
Ressono alto para não me ouvir a pensar;
pensar é a celebração dum coração auto-destrutivo.

Acordo à janela, preso ao vento estagnado,
preso fico às memórias dum doente que não lembra.
Nesse alzheimer encontro enumeras respostas
que a ventania me assiste e desmembra.

No lampião desativado vejo um fumo surgir,
fumo que atrapalha o dom de quem bem vê.
Queima a óleo - pena que não queime ao sofrimento -
de quem nunca te encontra e de quem nunca te lê.

Amor meu, meu foste. Foste meu amor, tudo.
Foste amor, meu tudo, e aceleraste meu amor, nada.
Rápido e silencioso como um véu penetrante,
que esconde as intenções da seda sedeada.

«jd»

terça-feira, 16 de abril de 2013

Extraviar o Apaixonar

Estaria bem estacionado a mentir
pelos cantos castanhos do planeta.
Faria com que o Cem ficasse de partir,
para uma terra longe da minha caneta.

O coração bombeia a essa velocidade,
ganhando a corrida ao cérebro desajuizado,
porque a razão perde sempre na partida da saudade
por olhar para trás e ver o historial quebrado.

Queria a casa que é tua, a mansão,
queria o ninho que é nosso por direito.
Chorava e rogava por uma palavra de compreensão,
pelo queixo no ombro e pela mão no peito.

A pornografia que é viver tornou-se pesada;
Na inércia foi difícil de digerir os conflitos
- eu nunca fui de apostar na ação inativada -
por isso liguei-me ao mundo dos poetas constritos.

Outrora quando éramos mestres da noite e da lua
vivíamos em terras desligadas por gravidades e mares,
eu estendido na minha praia e tu na areia que era tua
e dizias-me ao paladar do vento: "começa sempre como acabares".

Amor, eu comecei como terminei
e jurei isso nunca mais começar,
porque depois do que planeei
acabei por extraviar o teu apaixonar.

Vai saltando para as minhas costas,
enquanto tiver mundos novos para te mostrar.
Quando o tu-criança surgir nas apostas,
esconde a versão-mulher porque pode perturbar.

Nunca quis nada senão partilhar a mesma margem,
mas vivia na brisa sombra da tua escuridão.
Trato a metamorfose com o respeito pela sua imagem:
"Longe da vista, longe do coração".

«jd»

domingo, 14 de abril de 2013

Passagem de Nível

            Hoje entrei novamente na espiral de ascensão. Entrei e paguei bilhete. Entrei e corri por ali fora. Estou, assumidamente, no mesmíssimo ponto áureo em que estava quando me decidi fazer nascer. Estou no pináculo da aventura, no cume da temperatura brava, no topo a que me propus estar. Estou - não por estar - mas por residir.
            Aterrei no pós-infelicidade. Desembarquei no pré-felicidade. Estou na passagem de nível entre os dois pontos dispensados de horizonte. Estou tão perto de regressar ao ponto efémero de onde vim - ao qual muitos heróis chamam de abismo - como de alcançar, depois de suar (depois de muito suar, como um valente porco) a extremidade à qual sempre me propus.
            Indubitavelmente aviso e atento a todos que é tão mais fácil voltar as costas ao desafio, que vencer e lutar por desafiá-lo. Não o nego. Nem por sombras o nego. Não ouso profaná-lo. Porém, como até a mim me convenço, é um passo a seguir. É uma atitude a ter. Vencer a distância que me separa do pináculo de felicidade é tornar-me um vencedor acérrimo. E nada se faz sem persistência, nem o louco, nem o descuidado.
             A persistência é a chave, é o código. Eu persisti em auto-difamar o meu estado de embriaguez. Esmurrá-lo, enviá-lo ao caralho da má educação. Eu desisti de ser um constante de coma, uma linha inalterada de nostalgia. Desisti de ser essa merda toda. A felicidade não toma conta de mim, porque eu não deixo! Eu deixo - e ela há-de-me deixar também - que eu tome conta dela. Possui-la. Tê-la como substância, como matéria. Como dois euros de quarenta e cinco gramas no meu porta-moedas, no meu porta-merdas. Eu porto-me como um porta-merdas, com medo de carregar gramas de felicidade. Sempre portei. Não mais.
            Se passei a semana a divagar emerso em melancolia, contagiando toda a gente com o berço da minha harmonia doentia, foi por saber que seria sol de pouca dura. Obriguei-os a testemunharem a meu favor, todo o labor do qual fui vitima. Vitimizo-me, sim. Fui vítima de mim mesmo. Não contesto, não peço recurso. Forcei toda a gente a compactuar com o meu estado de demência para que reconhecessem o estado de mudança. E hoje foi o dia de mudança.
           As ações voltaram a valorizar em Bolsa. Estou no pós-infelicidade. Estou no ante-felicidade. Estou no ante-satisfação e estou à saída do apeadeiro do infortúnio. E mereço. Sou digno deste belíssimo impasse entre escolher a estrada da vida e a ruela da misantropia.
           E só eu posso eleger a predileta. São esperados os resultados das negociações. O acordo de concertação poderá estar para breve. Prognósticos só no fim do jogo.

«jd»

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Soslaio

                Hoje quase que me vim por te ver de rasgão. Cavalgaste o portão da entrada com o soslaio de quem não quer ser vista. Sempre foste sorrateira, uma ótima malandra. O Inverno viu-te passar e nem um bilhete lhe deixaste. Nunca gostaste de despedidas. Fugias-me sempre ao último e derradeiro beijo, como quem tem a garantia do amanhã. Falavas como se me tivesses na mão e, contra factos não há argumentos, tinhas-me.
                Tinhas-me onde me querias ter. Querias-me ter contigo para sempre e eu fiquei contigo para sempre. Até morrer de velhice a meio de um orgasmo. Até não suportar mais. Não entendeste uma única palavra do que disse quando te falei de amor. Falei-te de amor com tom de paixão, mas nem assim te serviu. Sempre deambulaste na tua vida como se de um mar se tratasse. Onda sobre onda, pesadelo sobre pesadelo. "A coisa passa", dizias tu.
                Agora obrigas-me a viver este pesadelo e forças-me a ficar nesta loucura oprimida. Eu nunca fui assim. Aliás, gero conflitos comigo mesmo se fico na passiva. Nunca fui de ter esperanças; inércia não é para mim. Gosto de agir, para o bem ou para o mal, porque da ação há-de surgir sempre alguma coisa. Só as pessoas com muita sorte é que podem confiar na esperança. Quem não tem sorte precisa de trabalhá-la, como qualquer um da classe operária.
                Eu sempre fui ferreiro e pensava em ti. Trabalhava na bigorna dia e noite e pensava em ti. E dia e noite, pensava em ti. Acordava, estropiava o despertador e pensava em ti. Adormecia, consertava o despertador e pensava em ti. Dia e noite pensava em ti. Foram dois trezentos e sessenta e cinco dias sempre, sempre a planear o insaneável. Cogitava momentos a sós, momentos incensuráveis de sexo imparável - a pensar em ti.
                O meu trabalho era simples. Em primeiro lugar, o ferro carecia de aquecido até ficar num vermelho brilhantina, por isso punha-o na forja que eu mantinha quente graças ao fole que operava com o suor da minha mão. Depois já podia dar forma e soldar o que tinha a soldar. Tentei soldar a paixão aquecida, mas tu teimaste e não desististe enquanto não lhe lançaste água. Nunca chegou a ser vermelha, exceto quando a pintaste - e mal pintado, já agora, se me permites. Nunca formei nada enquanto te amei e nunca hei-de formar nada enquanto te amar. És o diabo em mulher.

                Estou constipado de amor. Tudo o que me parecem ser soluções, são soluções tão convincentes, viáveis e sóbrias como comer cócó. E comer cócó é uma merda autêntica. Por isso estou entupido de amor. E nada de bom há-de sair enquanto permanecer nesta inação, nesta apatia. Preciso que continues a dar-me com os pés, para toda a eternidade. Quando eu morrer de velhice, prometes que no último instante, no remate final, no meu derradeiro sopro de vida, me dás mais um estalo?

«jd»

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Oitavo Mês

              Cada carro mal estacionado é sinal de uma fraca predominação. Cada lareira, cada incêndio. Cada um deles é vestígio de que me vou aventurar por campos inimagináveis. Cada um não pior que um sim?
              Queria o café da madrugada, a dentada da Primavera. Longe das mentiras, encontrei um amor vago, mas explosivo. Atómico, desde o Agosto de há uns tempos. Nesses dias chorei por caprichos meus. Hoje derramo óleos salgados por pelas teimosias tuas.
              Dei por mim na etapa onde estava nesse mês de Verão. A derradeira etapa. A montanha que nunca tive ousadia para escalar, porque estimava suar como um tolo numa sauna. Nesse calor do qual fujo, jamais encontrei um refúgio. Nunca se me proporcionou um ombro para desabafar a virtude da paixão que te tenho. Nem hoje.
             Hoje será a hora em que virarei a palmeira? De tão íngreme que é, tenho medo que me faltem as forças. Sou animal de pequeno porte, quem quero enganar? Não quero enganar ninguém, nem o cúpido atraiçoo, porque não sou de vinganças. Ele deitou sobre mim um mal olhado. Apaixonou-me pela ninfa que colmato desde esse oitavo mês diabólico, mas não lhe desejo a mesma maldade que ele a mim. Inimigo, livra-te desse enfardo.
             É um dardo num atentado. É o que vivo: um atentado à pontaria. É um grave delito contra a minha soberania. Estou apaixonado pela fraqueza que me sou. É dessa paixão que vivo, a paixão oculta de Agosto. A paixão da maré, do piano submarino do amor, da cauda da areia. A paixão que nos deita, excitados, embriagados, na frieza dos braços um do outro. Na areia.
            Indaga sobre isto que me escrevi, porque é a minha timidez numa carta de amor para ti.

«jd»