domingo, 31 de março de 2013

Loucura Que Se Me Berra

O teclado da vida
desperta do sonho.
As luzes da minha vila
dizem que tudo é medonho.

No horizonte vejo a hora a adiantar-se,
como uma hora sazonal perdida na terra.
A passada larga do Inverno induz
que esta paixão é loucura que se me berra.

Vejo-te dançar nos meus olhos
à distância dos meus braços,
confundindo a dinastia e dimensão
que te separa dos meus espaços.

Onde acabaram os projetos,
começaram as revelações.
Quando terminaram as iniciativas,
inauguraram-se as repercussões.

Eu não sabia o que se nos esperava
até atentar aos futuros que nos separavam,
porque nunca fui de arriscar o afeto da amizade
em prol de bens que certamente nos abalroavam.

Então vivo nesse tão meu medo profundo
de calcar erroneamente uma calçada sinuosa.
Não vou disparar a arma de fogo ao ar, sob o risco
de destruir o oxigénio de uma amizade tão primorosa.

«jd»

terça-feira, 26 de março de 2013

Manifesto Sobre os Vermes

                 Vermes por todo o lado. Vermes sedentos de fome e repletos de nojo. De nojo, de repugna! Vermes sem história, sem vida. Vermes que se aproveitam de seres maiores. Parasitas numa pirâmide onde poucos ascendem o topo. E é desses seres de grande porte - que ascenderam o topo - que esses asnos, esses bichos sem nada, se aproveitam. Tiram vantagem da sua ingenuidade, dos seus sentimentos, do seu passado. Recolhem as lembranças, os precipícios e as falhas.
                 Sugam tudo até à exaustão. E das duas uma: ou os seres maiores se manifestam, contestando a desordem que esses roedores minúsculos lhes afligem; ou então deixam-se corromper, caem na amargura, na raiva e na sede vingança - tudo habilidades desses Drs. Eng. cabrões malditos. Mas eu sempre aconselhei a quem pertence ao topo que desse cume não deve abdicar. Se é, de facto, um animal de grande porte, não se deve submeter a ser um verme como outrem. Deve manter a postura contínua, a bravura de sempre. Não deve equiparar-se a esses minúsculos que só estão bem a lavrar boatos, a arar histórias e a cultivar balelas.
                 Eu descobri - em pouco às minhas custas - que na vida não há problema nenhum em nada, porque esses paneleiros, como vermes que são, como sanguessugas que são, como vampiros autênticos que são, não têm credibilidade absolutamente nenhuma. Perdem o prestígio ao tentar denegrir o prestígio dos outros. Se ousassem deixar de ser vermes aperceberiam-se da tristeza em que mergulharam, da tristeza que é tentar submeter os outros à tristeza - e não conseguir.
                 Como tal eu digo-te meu amigo: não deixes o topo em que te abancaste. Mantém-te nessa poltrona que te abençoa, nessa cadeira almofadada da qual nunca cairás, desse felizardo posto que te apadrinhou como cria perdida. Cresce e sê a fera indomável que toda a restante cadeia alimentar receia de morte; não pelo ato da temeridade, mas pelo ato do intocável, do imune. Sê isento, camuflado dessas barbaridades que te apregoam esses pequenitos, esses fracos fracassados. Dilata a fé do teu ânus, o peido supremo do animal feroz que és sobre todos os que te aborrecem.
                 Já bem, bem no topo, aplica-te e sê feliz.

domingo, 24 de março de 2013

Mimosear

Do velho amigo eclodiu um amor novato
como um vulcão que explode para a vida.
A impetuosidade, a cinza e o magma
dão lugar à apaixonada lava desenvolvida.

Uma vasta injeção de adrenalina
correu duma ponta à extremidade,
fugiu da origem, dissimulou a idade.
Escondeu o seu tempo de vida na colina,
para que ficasse de rosto virado para a cidade,
onde nasceu o seu amor e brotou a amizade.

Essa metonímia de companheirismo
é o toque quente e fervido de uma relação,
que mesmo sendo prendada de irreverência,
nunca descura do mimosear do coração.

«jd»


sexta-feira, 22 de março de 2013

Desopressão

Relaxado e num extasiado momento,
só e deitado estou no corpete de vento.
Deambulo olhando o céu através da objetiva,
afastando o véu por não querer que atrapalhe
esta paz que tanto me desoprime e cativa.

Começo a entender a arte do repelir:
aparto de mim todos os enigmas
e subtraio as demais complicações.
Induzo sobre o que seria a minha vida,
- na ausência e lábia abstinência -
deste tipo de monstruosas aberrações.

Percebi que a vida são dois segundos de mágoa,
com três vidas de festas e solenidades.
Não deixarei que os problemas me possuam,
- vivendo com a mesma notável paixão - 
todas as flores azuis das minhas idades.

A flor azul significa sonho, utopia, mistério e infinito.
Tudo isso é inteira e perfeitamente Hakuna Matata:
a filosofia da desanexação de uma vida problemática,
que nos penetra o coração, corrói a alma e nos mata.

«jd»

domingo, 17 de março de 2013

Canto Superior Direito


Beijar-te-ia se não premisses
o canto superior direito
da nossa inquietação.
Beijar-te-ia como abelha beija a pétala
da aventura cor de mel de ouro,
em virtude da nossa pseudo-paixão.

Mas afogado estou na mágoa
dos descobrimentos falhados.
Julgo não saber que trilho seguir
tendo meus sentimentos petrificados.

Senhorita és-me diferente de todas as outras,
mas sou poeta e acredito no que me contas.
Não coube em mim de fracas suspeições,
deixei-me encantar pela maré das tuas feições.

Agora o instrumento canta alto:
"tempos íngremes se achegam",
e eu fico para aqui a ruminar
os pêsames que não sossegam.

«jd»

sexta-feira, 15 de março de 2013

Cancro Psicológico

Não voltes a sonhar comigo,
não retribuas os bilhetes e as cartas.
A dor física é uma criação mental,
é o cancro psicológico,
é o tumor do sobrenatural.

A que forças preciso de me obrigar?
Chora sem silêncios e com suspiros,
na lentidão da noite de Sábado
- no teu quadrado curvado.
E até que amanheça, oxalá Deus se esqueça.

Estou no período pornográfico
do pós queima de fotografias,
na clara eminência e antecedência
da vinda de novas filosofias.
Porque os meus modos mudaram quem eu sou,
como sou, porque sou e com quem me dou.

O ritual, de ser constante e cíclico,
nada mais é que uma rotina maçadora.
Deambulo pela cidade azul e cinzenta,
por ter fama de boa acreditadora.
Nas folhas pardas e secas acho beatas embebidas,
que foram assediadas pela vida e pelas suas perdidas.

A nortenha cidade pardacenta,
de tanto me ter não interfere.
Aconselha sem ver nem saber
sobre o amor e desamor
(que mistura e condimenta)
pelo qual meu coração se fere.

«jd»

quinta-feira, 14 de março de 2013

Encaixilhar


Se eu arrumasse o mundo,
mandava encaixilhar as recordações
e empilhava eu mesmo todas as emoções.

Começava por fazer arrumações na cave,
onde os medos embriagados planeiam a evasão,
conduzindo o rio do sobrenatural à foz da desilusão.

Na sala de estar deixava a lareira da memória acesa,
para que viva para nos aquecer este presente formidável,
iluminando os retratos atestados do carimbo apaixonável.

Aspirava o quarto, vezes e vezes e vezes sem conta,
para que a todo o momento a montanha fosse o momento,
para que a todo o momento tu me achasses o alimento.

O sentimento não quer garagem,
não quer alpendre, telhado ou teto.
Continuará a ser paixão de fascínio
enquanto perdurar a verdade e o afeto.

«jd»

Cofre do Caos

Tenho de arrumar a casa. Tenho de arrumar o que está desarrumado. Tenho de arrumar, porque está desarrumado. A casa está desarrumada porque tudo ficou ao acaso. E ficou tudo ao acaso porque nada acontece ao acaso. Nada acontece por motivo nenhum. Tudo acontece por motivo algum. E que motivo?

O que me motiva é saber que está tudo um caos, para que tudo seja arrumado. O que me encanta é saber que tudo está uma desordem para que eu possa ver-me livre de tempo para pensar sequer. Porque se tudo está um caos, se tudo está confinado a estar uma confusão, é para eu possa restabelecer a ordem. E não preciso de horas nem minutos para pensar, preciso de tempo só para agir. É no agir que tudo deixa de ser o fim da macacada. E é no agir, de forma soberba e esplendorosa, que vou investir.

É nesse agir que vou investir. Vou entrar com forma, composto, com atitude e sem rodeios, atacando a doença. Vou transmutar as incertezas, vou investir sem pensar. Agir sem pensar, porque o corpo o pede e a maturidade o aconselha. A velhice trouxe clarividência e agora tudo parece ser explicável. Todas as ações, todos os pensamentos perversos, todos os olhares.

Olho por olho? Trato do meu para tratar do teu. Coração por coração? Medico do teu para curar o meu. É imperioso que salvaguardamos a História num cofre caído no Pacífico, num sitio remoto, longe e intransponível. E, porque não o queremos de novo, deixamos de lá ir.

Quando esconderes o teu cofre como eu fiz com o meu,
dar-te-ei o mundo: serás a nova Julieta e eu o teu Romeu.

«jd»

domingo, 10 de março de 2013

Cozinha-me

             Se me queres comer, come. Mas não me comas da forma ordinária e comum com que toda a gente come toda outra gente. Tempera, abusa do balcão, excita a cozinha, também o fogão. Cozinha-me. Salga-me para que te possa adoçar a boca. Torna-me o homem que procuras, molda-me ao teu paladar, ao teu coração - se quiseres. E depois? Depois sim, depois podes comer-me. Trinca, saliva, degusta e engole - come com todo o descompromisso que é uma refeição apaixonada.

             E sai-me da cabeça. Sai daqui. Sai para longe e não mais voltes. Não voltes nunca mais, mas fica, fica comigo. Fica comigo e sai, sai só dessa vida que levavas, porque levavas uma vida em que a última refeição nunca era esquecida. Se queres ter-me como refeição, tens de esquecer o último piquenique. Se me queres comer, não podes pensar no último prato, no último almoço, na última paragem na auto-estrada. Se me queres comer, come - mas não penses na carne já digerida. Porque amor, meu amor, se queres jantar comigo - ou até jantar de mim mesmo - tens mesmo de jantar de mim, sem pensar em mais nada, em mais nenhum banquete antigo.

            Posso ser o teu café da manhã; o teu leite achocolatado que faz crescer o osso. Posso ser o sumo que escasseia ao almoço. Posso ser o vinho verde, vermelho, branco da noite - até o porto que te prepara a almofada. Porque amor, meu amor, sem esse copinho, não há sonhos. Não há sonhos para ninguém. Por isso, meu amor, bebe-me. Sonha de mim.

            Consigo ser o pão-nobre que acompanha o teu café, a bolacha Maria que vive para te encher o estômago cardíaco. Consigo ser-te a maçã sem te ser Adão. Não sou teu Adão, sou-te só um fascinante poeta. Tens um leque de opções, mas escolhe-me. E depois de me fixares à tua ementa, já me tens. Porque não outro poderá sê-lo (agora) com a bravura com que eu te sou. Porque só eu me dou a comer (agora). E se, porventura beberes um porto, come-me com ele - de empurrão, de penalti. Agora.

           Se me queres comer, come (agora). Come porque te fujo se não comeres. Come porque te sou alimento. Sou o que de mais vitaminico arranjas. E aconselho: evita a anemia, a anorexia: come-me! Come ao sol, à lua: na prisão ou na selva. Come onde quiseres. Come como quiseres. Come quando qui...

           Come. Ninguém ter de ver. Mas amor, meu doce amor, não sejas trapalhona, cozinha-me.

«jd»

sábado, 9 de março de 2013

Íman Veraz

Mentiroso já, mais vezes que as que me lembro.
Saltei vedações já, vezes a mais que as recomendáveis;
Mas, como se fosse alguma vez aceitável,
nunca deixei excluído o Eu verdadeiro e amável!

Mas isso nunca deixei, e agora nédio estou.
Estou farto de jogos e de bolas de neve.
Genuinamente, hoje sou um íman de veracidades,
sou como o vento, o que galopeia pelas afinidades.

É o vento que não tem limites, que é imperecível.
É a ânsia pelo perfume, pelo odor, pelo aroma.
É a pesquisa de lar, é a procura incessante pelo paladar;
é a culpa que é tua, porque me outorgaste este apaixonar.

Eu fugi de ti para poder chegar-me mais perto
dos pássaros na terra do certo e dos gafanhotos no céu.
Tu e eu, com o raiar do sol e o véu, debaixo da laranjeira
fazemos amor, em equações literárias presas à bagageira.

E sonhamos com o beijo, com o piano a escorrer em nós.
Idealizamos o livro onde a história por uma voz ficará inscrita.
Sonhamos com o encontro, com o embate, com o choque,
com as emoções que provirão do nosso primeiro toque.

«jd»

quinta-feira, 7 de março de 2013

Alquimia

             Tu controlas tudo. Tu podes ter tudo e não tens que te limitar a ter meio de tudo. A vida é para ser vivida, não é para ser explicada. E tu não tens de explicar todos os teus atos. Tu tens de agir de cabeça quente em todas, todas as tuas ações. Tens de estar apaixonado por ser espontâneo e tens de ser espontâneo quando estás apaixonado. Tudo em tudo, cem em cem (sem o sem) são fases da vida que te ajudam a construíres-te. Se não há culpa nisso, em nada há culpa.
             Não te sintas sozinho, porque tu és um íman de pessoas; não te sintas inseguro, porque tu és o balão de oxigénio de muitas outras; não tenhas medo, porque existe uma máxima imperiosa: tens de ser feliz, "dentro de uma política do custe o que custar".

             Gostas de controlar tudo? Ter o controlo debaixo do teu olho, tê-lo debaixo do teu sexo, da tua virtude, tê-lo debaixo de ti? Porque não o ter? Porque não? É tempo de arriscar, porque lembra-te, tu tens o controlo. O controlo. Tens de querer experimentar um futuro, tens de querer ser a pessoa que procuras ser, tens de procurar ser essa pessoa que queres ser, aliado à pessoa que contigo procuras ter. E ás vezes é tão imensamente complicado, é. É mesmo. Porque há tantos doces a aproximar as pessoas umas das outras, quanto amargos a distanciar-nos. Por isso é que usualmente nos apegamos à fatia benigna dos apaixonáveis. Porque - tal como a palavra sugere - são apaixonáveis; e a mente esquematiza-nos a função secreta: não vale a pena ver mais nada, é tudo fascinante.

             E se tudo é fascinante, se tudo é do mundo do incrível, proponho-te que abraces esse mundo encantado. Dá um linguado, tira-lhe a roupa, completa o assédio que deixaste a meio da outra vez. Boceja-lhe o pescoço, trinca-lhe o cabelo, suga-lhe a última lágrima para que não hajam mais, mastiga o sabor das pálpebras com um beijo interminável no olho esquerdo, apalpa-lhe no meio da...
             Compra-lhe uma aliança para deitares fora. Sorri-lhe depois disso. O compromisso está na tua cabeça, não está enjaulado numa mão. Morte aos casamentos modernos, vida longa ao matrimónio ateu! Casa todos os dias, apanha a chuva toda com o guarda do sol, foge sem dares à sola, incita sem provocares. Estuda e escapa da escola. Fascina-te.

             Este pensamento é para as pessoas que já vimos nuas sem nunca a termos visto sequer. Porque a nudeza é só um estado de comunicação, é um estado que vai da alquimia à química-moderna, é um lar ao qual se pode sempre regressar.

«jd»
Dedico este pedacinho de vontade
à Catarina, senhora da Tempestade.
Nunca pensei ter o atrevimento e até inauguro:
confesso que compus citando o António José Seguro.

sábado, 2 de março de 2013

Uniformes

Fevereiro já passou,
decerto era o pior mês.
Eu aprendi como bem-vencer
as matreirices que o cupido me fez.

Impávido estou, sereno serei.
No descobrimento, uma descoberta faço,
e no meio de tanta conversa desinteressada
extermino com o meu lado repleto de embaraço.

As pessoas crescem a um ritmo alucinante.
Tão alucinante quanto o delírio de viver.
E vivem para essa demência,
para a loucura de amar e perder.

A vida chamou-me,
a minha vida é agora.
A felicidade vem da harmonia,
da sua paciência e da sua demora.

Tenho uma eterna vida
porque a vida é eterna?
É intemporal, mas mentirosa.
Morre-me nos braços.
E a matriz da parede do Sol
ilumina-me os imanes espaços.

Relacionamento premeditado:
uma paixão e uma despaixão.
O amor na sua distensão
e a amargura solsticial.
A toda a hora crio coisas uniformes,
entre o ordinário e o especial.

«jd»