sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Repercussão

Não sei explicar a saudade do que não tenho. Nunca tive palavras cortadas, nem filmes mudos. Sou homem de extravagâncias modestas. Vivo em cima da colina, onde o sonho desagua e a verdade se esquece. Vivo numa singela cabana, num hotel de silvas baratas que incomodam. As flores crescem em abundância, mas eu sempre tive medo de as regar. Escrevo-as porque, se pensares bem, elas permanecem na memória de quem morre, mas nunca de quem homenageia quem morre. Isto é um pecado esquecido.
Quando eu tiver a inteligência a morrer e o corpo a desenvolver-se, aí sim, será a altura vertical de fazer jus ao que não fiz. Vou registar tudo o que não fiz numa biografia de episódios não-vividos. Essa lista nunca será tão grande quanto as aventuras do que vi e respirei, das sensações colhidas e dos frutos podres que se me obrigaram a mastigar, mas pode ser que quem leia goste à mesma. As pessoas gostam dessas coisas. Gostam de imaginar o 'e se?'. Porque não alimentar-lhes esse ego inexistente? Vê lá, eu até sou uma alma gentil.
As pessoas gostam dessas coisas, gostam de conjunturar futuros. Gostam de equilibrar as coisas, mas tristes são porque não sabem que até nisso são chorosamente trapalhonas. Eu próprio baralho tudo quando tento ser lógico. Mas nunca o sou. Por isso limito-me a pensar no passado; penso no lado ilógico de quem fez tudo certo. Repara que a história é feita de atos assim. Peças de teatro divididas em múltiplas cenas, onde os atores e atrizes, esses rapazes e raparigas de outrora, que deram tudo para que não desse certo - mas como acabou tudo bem e pelo melhor - são, ainda hoje, heróis. Parvos heróis, injustos heróis? Não. Só heróis.
A história é o supremo livro triunfal. E eu? Eu continuo nesta minha paupérrima colina. Rica em ouro, mas sem ninguém para a sua extracção.
Se ninguém viver perto de ti, serás como a minha colina (serás eventualmente, como eu). Serás tudo de melhor, mas sem ninguém para aproveitar o que de melhor tens. Dá o que não tens para que possas receber o melhor dos outros. Eu, por exemplo, nunca dou o melhor de mim para entreter seja quem for. Esse egoísmo está no Eu poeta que escreve de amor, de virtude, de aventuras. É por isso que estou nesta colina, é por isso que sou passageiro. A vida é breve e feia quando falo de mim. Mas eu quase sempre falo de mim.

«jd»

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