Quando um gajo se apaixona cai no erro de pensar que todos os gajos à sua volta também estão apaixonados. O apaixonado é uma besta.
Quem alimenta essa besta é apaixonada e também é besta por isso. O amor que o complementa, essa gaja nua e intelectual, é outra besta. É outra besta porque tanto é apaixonada, como também é alimentada pelo animal que se esforça por manter feliz e nutrido.
Os apaixonados são animais, são bestas. São bestas porque alimentam o outro e são bestas porque são alimentados pelo outro. Alimentam-se mutuamente, as bestas. Unem-se numa cerimónia bestial - de bestas - para comemorarem o ato de egoísmo que os une: serem alimentados e até felizes, porventura. A gaja é apaixonada para ser alimentada e o gajo é o animal que procura a mesmíssima coisa. Eu sei, isto é tranquilo e pateticamente equilibrado.
O gajo que está apaixonado nunca vai querer saber do gajo que não está apaixonado. Que besta, que animal, é racional? Que animal é racional ao ponto de pensar, por um minuto, no outro animal que não tem o que comer? Nenhum animal tem valores quando está com fome, nenhum apaixonado é misericordioso com os que não estão apaixonados.
Quando um animal é de grande porte é porque geralmente é uma besta apaixonada. Sendo que é uma enorme besta apaixonada, vai procurar o alimento incessantemente. É óbvio que não vai andar preocupado se os outros animais pequenos - ou gajos de porte inferior - conseguem, ou não, encontrar comida. Nops, não vão.
No momento em que um apaixonado atinge o pináculo da paixão, deixa de se preocupar verdadeiramente e de forma pura com a felicidade dos outros e, se realmente se preocupa, é unicamente para ter um casal amigo por perto, para ter uma garantia de ter com quem fazer um jantar a quatro. E, como tal, por egoísmo também.
O apaixonado é tão dono do seu umbigo que não quer saber dos umbigos vizinhos. Nem os olha de frente, porque sabe que "se arriscar olhá-los de frente corre o risco de sofrer encandeamento, que provoca cegueira momentânea e que pode, nos casos mais graves, desvia-lo da sua via, ocorrendo um acidente" - engraçado, também diz disto nos livros de código da estrada. Isto é o típico acidente que acontece quando um apaixonado se desconcentra da sua paixão e passa a concentrar-se na paixão dos outros. Mas sabendo disso, o apaixonado prefere não se desviar da sua via, ou seja, da sua própria paixão e acaba por desviar o olhar, fugindo ao encandeamento e a uma possível colisão ou acidente com a sua paixoneta.
O apaixonado é vil. O apaixonado é tão fodidamente vil. Só pensa em si e, quando pensa nos outros, é certamente porque tem alguma coisa a lucrar com isso. Só pensa nos outros para manter os seus interesses turn on. Então, muitas vezes, para não ter com o que se aborrecer, o apaixonado deixa de pensar dos desapaixonados, não vá surgir um maldito contágio.
Quando um gajo se apaixona cai no erro de pensar que todos os gajos à sua volta também estão apaixonados. Mas será isso realmente um erro, ou antes será um ato pensado e refletido?
É que, afinal de contas, o apaixonado é a besta que todos nós conhecemos e somos.
«jd»