sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Açodamento

A precipitação já elevou heróis iletrados
- jovens exímios na arte do bem suceder -,
se porventura um dia me tornar teu cavaleiro
assume as tu rédeas: não deixes a paixão esvaecer.

Vamos queimar etapas e viver do repentino,
dar luz ao que se fecundou mas não nasceu,
saltar barreiras e correr descampados,
fumegar pelo que nunca se entorpeceu.

Mas amor, até mesmo nesse açodamento
fazemos as coisas pelo manso devagar;
não queremos que a nossa cabana quebre
com a truculência dos que querem
invadir o seu bucólico lugar.

«jd»

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Somos Casualmente Indomáveis

Pois é na História que pertencemos
e é na fábula que nos merecemos,
por sermos animais mortos
que se falam sem leves modos.

Por nos fixarmos sem modos
ou com delicados modos únicos,
fazendo desse modo único o único modo operacional
e levando a bom porto o nosso puro lado emocional.

E somos os animais ilógicos
e somos a máxima da linhagem
somos um nada de todo o Universo,
mas representamos todo o seu lado selvagem.

Somos o inelegível fraco bom,
somos o inconfundível forte mau,
somos a segurança, a criação e o dom
e o domínio pela catana e pela força do pau.

Somos a indomável Espécie que ninguém gostaria de ter,
a brava rebeldia que Deus foi obrigado a conceber.

«jd»

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Doutrina

A fama é a solidão,
a ala inocente de uma prisão.
Cordas, hordas, bordas
e bonitas desventuras no cais.
Caminhos de pinheiros brutos,
frutos vermelhos e outros proibidos,
euros, libras, rupias e três reais.

A morte é a vil doutrina
e a vida a sua boa propina.
A cara é a febre benigna
e a coroa a simétrica maligna.
Não raro, conoto-te nos meus lábios
como um quinhão da amarra cruel
dividida pelo Olimpo dos sábios.

Porque gato quer ser cão
e cão quer ser lobo,
o merónimo apresenta-se à tua mão
e homónimo é o todo e é o globo.
Porquanto és a primavera e és a Natureza,
e és como Sol que deambula para raiar
o teu próprio inteiro auge e beleza.

«jd»

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Lições Para Uma Paixão

A primeira disciplina remete-te para nunca seres um apaixonado demais ou um apaixonado de menos. Seres um apaixonado de pólo positivo leva a conflitos interiores, a problemas posteriores, a desventuras e a dores. Um apaixonado de pólo negativo induz a contra-tempos com a cara metade, o que descampa na perda da virilidade da vossa amizade.

A segunda lição é, de modo ligeiro, algo túrbida, algo chata, todavia vital. Diz-te que amar é somente amar. Amar é só amar por não ter o que amar, só quem amar. Isto porque o pouco que, ele ou ela, tem para nós é tão muito que enche e nos regala. E nem precisa de uma bela gravata ou de um vigoroso vestido de gala.

A terceira preleção roga-nos para uma paciência não interna mais intensa, a multiplicar com alterna - senão leva-te a ti à loucura. Não tens de ser uma bomba relógio enroupado em pressão constante. Mas também não podes tê-la externa e visível demais, senão leva a tua alma gémea ao delírio. Há que ter uma virtude de calma, de ponderação, de harmonia e de extrema desmentalidade racional. Lembra-te que não és uma criança qualquer, és A Criança Escolhida para escoltar o teu amor até porto seguro.

A quarta faculdade sugere que, na paixão que vives, é substancial seres um companheiro ciumento com um ciúme moderadamente galante, que seja uma mistura de terno com eterno. Um misto de mar e céu, uma fusão de dia e noite, a dualidade entre yin e yang. O compactuar da Natureza com Homem.
Recorda que o ligeiro balancear cativa todo o equilíbrio perfeito.

A quinta lição é o estimar da primeira balada e canção, do segundo beijo com benção, da terceira louca possante emoção e do quarto onde o orgasmo se encurralou na redenção. Mas ninguém te pode ensinar a seres um apaixonado, por isso aprende só esta última lição.

«jd»

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Ioctossegundo

Cada nada é uma vida
por onde passo estirado,
enterrado nos seus braços.

Cada tudo é um momento
- uma pausa num intervalo de tempo -
transformado em mil passos.

A vida que me faz chorar
nunca se profetiza a demorar.
Transmuta-me numa solene vertigem,
num alongar da minha origem.

«jd»

sábado, 10 de novembro de 2012

Empreender

"Mas povo dorme na ilusão
e a tristeza é forma de sinal
Liberdade pode ser prisão.
Meu deus, livra-nos do mal
E acorda Portugal..."

Convém trocar o difícil pelo politicamente correto, porque o politicamente correto é fácil, é comum, é vulgar. Qualquer um o faz, até o primeiro-ministro. Invulgar é tê-los no sitio para condenar os atos fáceis e os desafios alcançáveis. Há que ultrapassar o apenas alcançável, há que superar a linha que nos acorrenta à modéstia. Há que exceder a capacidade de interiorização e partilhar o que de melhor somos capazes de empreender com toda a arrogância que o padrão da nossa cultura nos consente.
As missões não são impossíveis, são só passiveis de dificuldade. E a facilidade é fugir a essa dificuldade, temê-la. Fugir do caminho fácil, do caminho mais tentador, é a missão de uma vida. É uma missão contínua, perpétua. É a missão de um homem, de uma grande mulher. É de uma não-criança. É de alguém que se julga adulto, bravo e responsável. E quem foge não é pai de ninguém, não é amigo nem é meu conhecido. É apenas um podre e pobre penoso coitado que vive atormentado e acomodado pela rapidez e singeleza de respirar. Mas cuidado, um dia nem respirar te vai ser fácil. E é dessa facilidade que te quero ver esgueirar.
Diz-me o que o queres, tudo o que preferes. Preferes viajar pelo rudimento a vida toda? Expectativas, sonhos, não tens? São premissas não realizáveis? Acorda para o mundo, para o país, para as nações que já não mais atura a tuas cartadas de complicações. Preciso de ti desnudo e ativo.

«jd»

Verso de Tiago Bettencourt, Eu Esperei.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Montado Na Minha Utopia

Preciso de ir às estrelas e roubar-lhes um pouco de matéria. Só levar emprestado! Rasgar delas o que não me pertence para que passe para minha posse. Arrancar-lhes tudo para colmatar a dívida para com a minha faculdade. A faculdade que não tenho, porque a tenho em falta. E fosse dinheiro o que tenho em falta! O que tenho em falta é pouco de dinheiro e muito de ganância de não o ter. As minhas ganâncias variam entre o zero e o zero. São o zero a multiplicar pelo zero, são só zero. São o zero virado do avesso - pois, é zero. Não, não tenho ambição senão a cobiça de ter o pouco que não tenho. E o que é o pouco que não tenho? Ó inteligência, o pouco que não tenho é tudo que resta, é o tudo o que me sobra! É o meu tudo.
E o que é o meu tudo? Caríssimo, o que é tudo para ti, é pouco para mim. E o pouco para mim é dinheiro. Dinheiro que para ti é tudo. Não que o dinheiro seja pouco, até sou rico e tenho um bocadinho de pena de o ter demais. Oh, mas é sempre pouco, é sempre nada. Tudo para mim é não ter dinheiro.
E o que é não ter dinheiro? Bom, não ter esse vírus é como não ter uma gripe. Repara, quando estamos de gripe, com o cabrão do nariz a pingar, engasgados e enjaulados na cama, temos sempre uma mãe, uma avó ou uma tia (ranhosa) que nos cuida. Temos um telemóvel que nos liga a quem nos liga. Que nos alerta para quem está com o alerta inclinado para nós. A gripe invoca-nos todos os amigalhões que durante a semana se riram da oleosidade do nosso cabelo, das lacunas das nossas piadas, dos nossos erros e dos nossos espalhanços no chão. Divertem-se com esse mero lazer de nos proporcionar esses momentos irresistíveis e únicos.
O dinheiro é o outro vírus que também atiça esses manhosos na nossa direção e que nos entorna, embora torpemente, no isco deles. Por isso, não ter dinheiro é estar desprovido de responsabilidades. Não ter dinheiro é não ter de alimentar esses espertalhões pseudo-cúbicos que vivem de nós, do rendimento que se lhes damos. Desprover de dinheiro é ser feliz e descomprometido. Não ter dinheiro é o lado certo da ravina, é a bênção de faltar algo e nem sequer nos ralarmos com isso.
É essa a razão de eu querer ir às estrelas. Quero ir lá, montado na minha utopia, para roubar o dinheiro que elas não têm e para levar emprestado a felicidade jovial que isso me provocaria. E diz lá amigalhaço, não descrevi um cenário divinal?

«jd»

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Escultura

No caminho inicial do meu pensamento
dirijo-me o impulso e venho do alimento.
Indago-me se não terei ficado amaldiçoado
tolo por ti e por ti parolo desajeitado.

Recebo mensagens, cartas,
e telegramas de toda a gente.
Quero nunca abortar a conexão
e dilatar-me sobre ti veemente.

Subjugar juízos de ternura
sem reclamações, soa tão
complacentemente como ter
uma paixoneta depois das eleições.

Acho que estou tomado por uma
fortaleza empreendida em amor,
porque cada sorriso na tua cara é
obra prima de um primoroso escultor.

«jd»

domingo, 4 de novembro de 2012

Esqueci-me de Esquecer

Esqueci-me de esquecer
que é por ti que eu morro,
mas que é por ti, meu amor,
que eu tanto quero viver.

Tudo o que possas e digas
e tudo o que não possas, mas faças,
fá-lo num compasso de espera,
divide-o por pequeninas migas.

Porque a brutalidade
e franqueza das tuas palavras
não é tolerada pelo meu coração
que bombeia pela tua deidade.

Vem ter comigo
não me deixes só.
Diz que me queres,
oferece-me o teu abrigo.

«jd»