domingo, 28 de outubro de 2012

Segundo Ensaio sobre o Sonho

O meu sonho é ter um benigno falar,
e puder orar por meio mundo
sem que me impeçam de atuar.
Descrever o quanto ele é belo,
o quanto ele é de trevas facundo.

O meu sonho é ter um ajustado paladar,
e puder degustar por meio mundo
sem desmerecer o sabor do meditar.
Deliciar o quanto ele é belo,
o quanto ele é doce e jucundo.

O meu sonho é ter um sensível e terno tato,
e puder apalpar meio mundo
sem desprover do lado sensato.
Tentear o quanto ele é belo,
o quanto ele é vagabundo.

«jd»

sábado, 27 de outubro de 2012

Primeiro Ensaio sobre o Sonho

O meu sonho é ter uns pardos olhos,
para puder olhar meio mundo
atrás de virentes verdes folhos.
Deslumbrar o quanto ele é belo,
o quanto ele é imundo.

O meu sonho é ter um bom olfato,
e puder cheirar meio mundo
com a nueza do desbarato.
Farejar o quanto ele é belo,
o quanto ele é nauseabundo.

O meu sonho é ter um vagaroso andar,
e puder marchar meio mundo
numa áspera noite de luar.
Aperceber-me do quanto ele é belo,
o quanto ele é retundo.

«jd»

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

A Inveja Vem Sempre de Baixo

A poesia faz-te sentir falhado
e as baladas supõem-te um bom mal amado?
As marés escondem-te sem fé de afogado
ou como sem abrigo sobrevivendo no eirado?

Vá lá, deixa-te de perdões
deves bem mais do que exiges dos outros.
E esses outros não te cobram favores divinos,
nem moedas de prata lançadas
à estratosfera dos desnudos destinos.

A boa integridade e a decência
são sempre admirados pelos olhares
perversos e com volumosa demência.

Isto explica o vácuo duma paupérrima gentalha
que não é habilidosa o suficiente para ter
visão descolada do soberano provido de medalha.

«jd»

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Coexistência

O sol é o major testemunho
da nossa sublime fusão atómica.
É brigadeiro duma singular coexistência,
matriz prendada de excelência.

É o visionário que extravasa e promove
a aliança das nossas duas almas,
é porventura a razão duma felicidade utópica
merecedora de uma salva de palmas.

O nosso cupido de Outono
permuta num fora de prazo.
Mas a tua paixão em meu abono
é como o tempo jungido no espaço.

«jd»

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

República dos Servos

O impuro é escuro, mede loucos pela avenida
é uma meta sem partida, guarida mas homicida.
É herege maduro, é um duro vasto hiato,
é um péssimo futuro projetado no imediato.

É o vendaval dos que se abstêm, mas viram
o proletariado anuir e encharcar sem fruir
dos proveitos que os ruins réis demais nos tiram
sem nos questionarem se os aspiramos abolir.

Quero a vossa "soberania" de pernas para o ar,
exijo ter a minha independência longe do vosso naufragar!
Quero gratulação pela fome da minha velha condição
que a república me tira por ser o lar da corrupção.

Abaixo à serventia desta dimensão deturpada
onde a virtude popular martela sobremodo empenhada
por uma inexperiente turma que teima no absurdo
de querer converter a gentalha no seu clemente surdo-mudo.

«jd»

domingo, 14 de outubro de 2012

Chuveiro

Descobri que gosto de me sentar na banheira.
Acato com o som húmido e quente do chuveiro,
enquanto meço e penso nos meus vícios e sonhos,
nos trilhos de trânsitos e paradoxos tons medonhos.
Água lusa, molhada, calorosa e boa intrusa:
como gosto não ter sequer de te ouvir!
Quantos têm o dom de ser conselheiros e mudos como tu?
Extânsias-me com esse teu galantear,
com os teus dois átomos de hidrogénio
e o de oxigénio sempre sempre como teu par.
És o orgasmo e a corrente de adrenalina de que preciso,
és o gritar genital no momento mais conciso.
És o relaxar da minha introspeção,
és o abrandar de um coração.
És o repentino atenuar dos músculos,
és a mulher sem seios maiúsculos.
E só cais em cima de mim.
Nem precisas de mais para que te ame.
Cai, precipita-te, vasculha-me por favor!
Reina, dedica-te a subornar a minha paz.
Não me ames meu amor, seduz-me só
como empreendia um formoso faraó.

«jd»

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Paladino

Quem cobiça um poder, aspira adquirir um amar.
Querer ter quem amar e as bases para aprender a amar.
Imperioso é suspeitar dos remédios viciados
porque provado está que não resultam nesta fórmula
onde a receita não está vigente na vanguarda da rótula.

Ter amor enquanto substância é como ter uma equação inacabada:
tão incompleta em abundância, fruto duma vil calculadora estragada.
É um pacífico dote ter com quem partilhar
a delgada parte do prazer e o inteiro grosso da dor,
sem o egoísmo de se tornar um tirano amante colecionador.

É tão bom enfim, lembrar talvez da primeira vez, da pioneira de muitos clarões.
Em que ver o descolar dos aviões já é criança no preencher dos nossos serões.
Fundem-se o carvão do lápis, a goma da borracha e o tornassol do papel
ajudando a encriptar a poesia enquanto espaço-tempo cristalino,
munindo o nosso amor ímpar e intemporal com a garra de um Paladino.

«jd»

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Conjunção

Não há nada que me possas oferecer de ensinar. Sou autodidata.
Viajo à toa sem passaporte, pelos maiores céus, munido à astronauta.
E nos teus cumes e luas marco o encontro, no teu peito assinalo um risco subtraído num ponto. Nas tuas pupilas vejo-me perdido e na tua língua procuro um sentido. Há centenas de esquerdas onde abandono um indicador na mesa, contrapondo com a placidez da minha incerteza. Durmo à noite e na noite durmo, mas vou demais depressa e na pressa procuro sinais. De ti. Sinais de que te vivi.
Eu sei quem sou, sei que te sou porque te sou, sei porque sempre te fui e sei sempre te sou. E sei que sempre te serei, sei num futuro perfeito, sei no imperfeito e/ou sei no mais-que-perfeito. Sei que conjuntivo te serei amanhã ao deitar-te, serei-te ontem ao acordar-te, serei-te para a vida enquanto corrermos, serei-te por hoje enquanto nos vemos. Serei o teu ciclo interminável e o teu infinitivo de amar, serei duas faíscas de ar pulverizado pelo revólver desmaterializado a chorar. Serei no modo super mais que imperativo, o rasgo de espada encaixada numa pedra que só te pertence e serei, simultaneamente, o teu tal guerreiro que a arranca de lá.
Somos uma conjunção, uma conjuntura de união. Somos juntos o que muitos procuram. Somos o cansaço dos amores perdidos e dos solteiros apaixonados. Uns forçamente se agarram, outros pedem para serem agarrados. Mas nós não. Tu e eu. Eu, sem gesto de covardia, olharei com a alma e a mente, vislumbrarei cuidadosamente o sol. De frente o sol. E congratularei-me por te olhar, desse abalroado modo, sem me queimar.
De e só por te idolatrar.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Negócio

És a sina de um forno resfriado.
És também o apetite de esperança
de um Tudo muito mais extasiado.

Hoje vi beijos teus sem cordão de nostalgia,
fiquei até referto por sonhar com os teus
lábios hemisférios no meu livro de geografia.

Estando eu nesse estado de aparelho ligado
com a cavilha da pilha enleada ao meu ventre,
sou incongruente, quociente vasto e pesado,
como inseto escarafunchando a sua semente.

Está bem, procurei-te do lado errado da rua!
Só pouco depois, ao escorregar da noite,
é que me apercebi que eras tu, e só tu
quem gentilmente cedias o clarão à lua.

Mas voltando às labaredas,
o que atormenta o negócio da nossa paixão
é um quadrado desmembrado por uma raiz
que plagia com a mesma notável ligeireza
com que os governantes soterram o nosso país.

«jd»

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Improvisado

A minha relação comigo e contigo
é demais potêncial e promissora.
Por isso não é quanto uma tesoura que inibe
o faustoso couro cabeludo de uma senhora.

Em toda a parte, houve e há o reparo de quem vê
sem realmente ver, tencionando não e nunca me conhecer.
Há sempre o boato, o pergaminho e o cachimbo,
do bom inspector matriculado por um carimbo.

E na minha intolerante dependência de ti
sou sempre livre e livre esboço-te
como meu único debuxo de rubi.

Somos encaixados e perfeitos nos altos um do outro,
mas só porque dá certo, não simboliza o paraíso.
Repara que muita dessa obra advém do nosso improviso.

«jd»