sábado, 29 de setembro de 2012

Chorar

     Toda a gente chora: antes ou agora; momentaneamente ou então outrora. Tanto dá. Chora, toda a gente e por toda a gente. Ou ora até chorando, orando para o reverbero, para o mil ou para o zero. Tanto serve. Ou chora amando, desertando ou estilhando fluxos de veneno, por amar.
     Nem todos se dignam a saber, a aprender, até, a chorar. Não é grande arte, nem ofício grande até, nem tão coisa de empregar. Ninguém pretende querer chorar de vez em quando, soluçar com o cloreto de sódio a escorrer pela boca fora, pela mordida do lábio, mas é tão bom quando esses ninguém nos vêem no nosso turno de choro.
     Bom, talvez não seja bom, mas é bem. Podia deixar de ser bem para passar a ser bom, porque bom não é bem. Pois agora, sem medo, revelarei: é a natureza quem mais chora. É. Não agora, mas chora. É máquina de chorar, porque tem o condão de fazer a lágrima cair e pum, por tanto nos chapinar! Não é feio de todo, nada disso; não. Qual remorso qual quê? Qual vergonha? Por aí, nem há reflexão nem pensar. É só instinto por chorar. E bem chorar! - que belo chorar!
     É isso, só.
     E se a nuvem, acima de ti, chora; e se os fracos, sempre abaixo de ti, choram; se tudo chora, se todos choram - e se dão a chorar - porque não? Porque não chorar? Chorar como rir.
     Há tanta gargalhada, toda ela mal enumerada e emparelhada. E o choro nem um algarismo tem. Pobre choro! Mas, há-de ser feito uma justiça, porque a natureza não se ri, mas chora. Não agora, mas chora.
    Por isso vou chorar um pouco enquanto escrevo, ao longo do que digito. Chorarei, debaixo da lua chorarei.
    Chorar é estrategicamente natural, tanto quanto rir: que começa a tornar-se uma coisa tão banal.

«jd»

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Fraternidade

No intervalo do jogo, o vagar é sublime
e devagar impressa o seu espaçoso crime.
E essa lentidão sem propriedades sub-atómicas,
endoidece as ricas amizades puras e astronómicas.

O património desmesurado
sob o condão desproporcionado.
Rogo aplauso à valentia doente de quem licita a alma
ao imaculado companheiro fraterno do céu e da calma.

As histórias das bolas a fazer rolar o chão
e das meninas a quem ousamos estilhar galardão.
Das velhas caçadas, das vitórias nas cartadas,
dos futebóis sem destino e das fábulas das enseadas.

Os quatro ventos e os gritos sem pavor.
Mil e dezoito abraços intensos pagos com fervor.
Outras dezenas incontáveis no memorandum,
onde se extraviam carinhos sem recibento algum.

Em sumário compactado como armário,
arriscaria a dizer que amigo é tal e qual como sumo concentrado:
Chega para mais de cem copos e valorizar-se-há
para mais duma centena de corações;
No entanto é aquele que nunca deita fora
todos os milésimos traços de recordações.

«jd»

domingo, 23 de setembro de 2012

Cereja

Vá, sê tu e bem mais do que te és.
Assume nova farda num tempo de fortes marés.
Ampara-me nas noites frias de outono,
nos longos períodos e meses de guerra
onde a gente da terra se submete a um trono.

E é essa toda submissão em ti que me encanta,
que me fascina e sujeita a ti minha governanta.
Pelos teus lábios bons de colher,
e pelas tuas finas curvas de reles mulher.
A cereja do teu paladar é a minha zaragata,
é demais doce, de tão boa quanto me mata.

Ora portanto, imagina nós dois
numa cidade com múltiplas celas
a ensinar estas inférteis e ilícitas pessoas
o quão delicioso é beijar as estrelas.

Por definição, o amor é toda a esquina,
é fração de madrugada e fatia de neblina.
Amor é suspiro de chefia e comando,
é raça que carece de se ir alimentando.

«jd»

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Carvão Dourado

Beberás e jamais indagarás a razão para beber,
vais perder terreno, pecado e remorso sobre tal veneno.
Na praça do povo, o fio de barbaridade é querer ser sem crer
e leiras, canteiros e rosais serão o mesmo ontem sem clima ameno.

Bagas de frutos, pacifismo e deuses brutos.
Jóias de coroa, facadas em prol do que magoa.
Pentágono de dezoito ponto um vértices,
artéria inflamada em contraplacado,
pássaro ou pluma de carvão dourado.
Na morte há vida além da exaustão,
há ressurgimento pós-opressão.

Somos oásis de lua que chove lá fora,
somos encanto vendido como resíduo de penhora.
Enquanto caminhamos a imaginação tem-nos parados,
impondo-nos à valentia de sermos uma raça de falhados.

«jd»

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Anuição Soberana

Sou cético. A verdade é minha.
Creio só e tão pouco na minha frieza.
Vivo aquém da demais riqueza
e bem além de menos pobreza.
Nada, além de mim, jaz por funcionar.
O circulo planetário insiste em nunca me acatar.
Somos o testemunho do que nunca conhecemos,
e somos a cara metade do amor por quem ardemos.
O pulmão nem sempre cumpre a sua função,
metamorfoseando-me num ser sem convicção.
Eu debuto-me a atingir a encarnada linha
escondendo-me num quartel sem adivinha.
Sou filho de Deus.
Mas de que Deus eu sou neto?
Eu quem amo, realmente amo. Mas amo quem?
Amo-te que lês, amo-te por três.
Sou amante, vibrante, fulgurante
total e totalmente apaixonante.
Mas sou cético. E assim ninguém me quer.
Vivemos do zero, mas aplicamos-nos o auge de austero?
Lá porque a verdade é do meu domínio,
desde quando fiz disso um desafio?
Isto são perguntas a ninguém,
porque sou cético. A verdade é minha.

«jd»

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Portugal

              É sob o céu pardacento que submergimos sobre o pensamento. É por dentro do nosso ar eloquente que penteamos uma nova semente. É pelos vales e pela escumalha que trabalhamos no ofício, aguardando provas de que o nosso esforço não é fictício. Tão escabroso esforço pela pátria temos nós. Valerá a pena a diligência dos nossos pais e avós? Árduas questões questionadas a quem não se questiona se qualquer conteúdo foi contido. Ou prescrito; dito. É maldito.
              Não há patriotismo que eleve um povo que na inércia procura Boa Esperança. E não há Cabo, rota ou expedição que nos recupere a referta bonança. Não há cá terras novas, nem mares por descobrir. Não por lá há frutos, especiarias ou negreiros a quem retribuir. Não há já escravidão aqui ou além terra, não há incenso ou acerra. Não há paz nem tão pouco há guerra. Mas a fome emana. A desilusão acompanha e a nossa algibeira é quem apanha. Espancamentos, jumentos. Gente incrédula e dirigentes corruptos e ciumentos. Espelhos partidos e sonhos ruídos. Horizonte prometido, todavia raça e prosperidade encolhido.
              A nova temporada há-de desembarcar. Novas hão-de acompanhar. Perspectivas, panoramas. Sopros de nação longe de chamas. O povo não pede clemência, o povo não precisa de factos de internacional aparência. A plebe ambiciona reminiscência dos tempos em que lutar por um imaculado fim não era algo considerado socialmente como paupérrimo, ou ruim.
              Lutar não é envergonhar. Lutar é para não mais vergar! Lutar é para erigir, para persistir e para nos instruir! Lutemos então e sem armas na mão, apenas com o enchimento do nosso fulgor e determinação.

«jd»

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Vácuo

É a preto e branco que te sonho.
És no bloco o rascunho que projeto.
És a claustrofóbica cela que te imponho,
com juventude despejada pelo decreto.

É doutrina aliada ao pular de alegria,
é ouvir tocar piano e amar sempre com magia.
É todavia apenas uma só fórmula para o sucesso,
que a ternura nos eleve ao notável progresso.

Sou alvorecer fraco,
crepúsculo destrutivo.
Uso e abuso do prazer
de me fazer sentir vivo.

Esperemos só mais um compasso de tempo,
deixando queimar o resto da tira de magnésio.
Deixa no minuto e na hora o que resta de fora.
Todos os desaires fotografados de outrora.

Pacifismo, lua cheia,
céu, astro e cometa,
meu todo sol de cor-de-aveia,
preenche o vácuo do meu planeta.
 
«jd»

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Queres?

Quero.
Quero pessoas perdidas. Animais acompanhados. Os beijos esperados. Os olhares trocados. As lições mal entendidas. Quero cadernetas cheias. A desvirtude dividida a meias. A adrenalina a escorrer do céu. Reflexo lunar levanta o véu. Estás, ofegando, atrás de mim. Vagarosamente, cheiro-te. Delicadamente, viro-me. Subitamente, beijo-te. Arrependo-me. Tremo, tropeço pelo abismo. Esfaqueia o meu civismo. Beija-me de volta. Sê Cinderela à solta. Faz-me chorar. Lança-me ao ar. Ouve o disco, passa-me o visto. Dá-me a permissão:
quero-te amarrar as mãos aos ferros de uma cama qualquer, rasgar-te as roupas, bater-te com pétalas de malmequer. Afastar o pudor, aumentar o calor e desertar sem ouvir rumor. Quero violar-te os lábios e, superando a intelectualidade dos sábios, trincar-te tudo o que é ilegal, a bem ou a mal. Estende a toalha, falha no sistema de batalha.
Livrar-te de embaraços, prender-te os braços e prevalecer. Ou viver.
Escorraçar a ponte, passear-te além horizonte e satisfazer. Ou viver.
Carcomer-te o decote, beber-te do pacote e desfalecer. Ou viver.
Quero abrir portas, gritar com o orgasmo e ofender-te com notável entusiasmo.
Quero escavar-te, amar-te, elevar-te, apaixonar-te.

«jd»

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Universo

O inicio e o fim, a criação e a destruição, o criador e o destruidor, a Génese e o Apocalipse. A paixão nasce com o Alfa, mas não tem de ir até ao Ómega. A paixão não precisa de acabar só porque começou. Deixemos a nossa vida, que é finitamente esplendorosa, acabar. E nem o fim da vida significa o fim da paixão. A paixão continuará a vaguear como um múltiplo comprimento de onda, a paixão será rápida e poderosa como duas partículas de fotões. Resistirá a temperaturas e a variações de radiação. A paixão nasceu com o nascimento do universo. Brotou, aliado ao espaço e ao tempo. Proveio do nada. Expandiu-se para nos englobar. A paixão faz parte do Big Bang, mas não terá de chegar ao Big Freeze. A paixão não diz não, nem tão pouco diz nem. A paixão nasceu com a saudade do beijo, com a imortalidade da imagem facial, com o teu angelical toque. Vive e não morras em mim. Vive para a eternidade. Sê superior ao Criador, ao Senhor, ao Deus. Vive além de mim, para que me possas proteger sempre. Sê a minha gravidade, para que eu nunca me separe de ti; sê a minha força eletromagnética, protege-me das telepatias alheias; sê a minha força forte e a minha força fraca. Sê mais que deusa, sê toda a minha natureza.

«jd», dedico à minha Patrícia.

sábado, 1 de setembro de 2012

Lua Azul

Porque nos desejamos,
queremos-nos sós
e nos queremos nus.
E fazer jus à nossa pouquidade da indecência,
havemos de jorrar e jogar em excelência.
Atenta-me: é fruto demais delicioso
para cintilar na inércia do repouso.

As tuas roupas e os teus aromas
sobre meu quase rústico sugar.
O vagar, o devagar e o divagar;
primos da cisterna que nos enche.
A chama, a pegada, o enaltecer do ar.
O destino à luz do furacão que nos preenche.

Enfurecemos os Deuses da vanguarda
com o nosso respirar matinal de sábado.
Ao pequeno-almoço descobrimos
que todo o amargo pode ser também salgado.
Mas não há noite alguma em que a lua cheia mais brilhe
o glamour da comensuração que nos equipe e artilhe!

Oh, mas esqueci-me de te inventar deitada no meu chão,
porventura perdi-me na incorporação da tua imensidão.
E dispo-me sobre o teu nome e sobre tudo,
sem me julgar mais capaz do que realmente sou.
Ai céus e réus... Sim! Apaixonado estou.

«jd»