quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Lídia

Amar-te, Lídia, é ter saudades
num tempo inteiro,
é sentir a distância
num seco metro certeiro.
É viver conformado
com as incongruências.
É ser-te amado
nas experiências.

Amar, sem te decifrar,
é o caminho fácil
quando somente jogo
num ameno antecipar.

Vamos ser todos e tudo
o que nos prometemos ser.
A vida sonhou-nos Lídia,
na posse brutal do poder.

As coisas corretas não resultam
porque decorrem num tempo
errado de pervesão.
Esperemos pela altura
que o sonho assuma
uma fresca premonição.

E agora que em ti tropecei,
aufiro que o meu
coração é afortunado,
pois nunca antes
(ou jamais serei)
almaneira tão amado.

A forma mais sublime
de calar uma alma
é beijando-a
sem recorrer à voz.
Oscula-me a alma:
e que a eternidade
tome conta de nós.

«jd»

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Salmo Simples

Jamais teremos um amor
eximiamente composto,
quando somente é desenhado
numa única amena voz.
Para preconizar esse suposto
teremos de o escrever: eu tu nós.

Dizem que as estrelas
fixam o amor pelo nosso olhar,
mas o apaixonado só as aprecia,
quando pretende outros olhos embalar.

Se uma alma gémea me existir
que exista achegada a mim,
pois uma paixoneta exige mais
que uma relação assim-assim.

«jd»

sábado, 9 de novembro de 2013

Não Tens A Noite Em Ti

Quando te conheci,
éramos jovens demais
para nos sermos.
E sermos tão jovens
altera as todas as condições,
responsabilidades e termos.

Quando te conheci,
não me conhecias mulher.
Não me reconhecias
sendo-te risonho sequer.

Se queres a madrugada
não te madrugues em ti,
porque quem não dorme,
nunca tem a noite em si.

Se descansas em paz,
sobre guerra descansas.

«jd»

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Há Quanto Tempo?

Há quanto tempo não beijas
debaixo de fogo cruzado?
Há quanto tempo te fechas
enquanto a vida te passa ao lado?

Diz-me há quanto tempo abdicas
do que é teu e só teu por direito torto.
Se por aqui desertas e não te ficas
tanto me faz perecer vivo ou parecer morto.

Há quanto tempo não me abraças
debaixo de água, debaixo de oxigénio?
Tão sobejas são as vezes em que amassas
o meu coração neste segundo milénio.

Há quanto tempo a saudade
te deixa paciente, mas frustrada?
Distância é um crime de tão soberba vaidade,
que pouco se importa se foste morta ou matada.

Estamos há quanto tempo a conjeturar,
a fazer esboços de erros de projeção?
A aventura só será próspera e para durar
se henquerermos as emoções invés da razão.

«jd»

sábado, 26 de outubro de 2013

Poesia do Senhor Antilógico

A vida corre-nos
ou corremos com a vida?
Vivemo-la com vontade ou
é ela quem nos convida?

Quem alimenta quem?
Quem é ser ou sendo amado?
Quem faz de alimento;
quem se faz de alimentado?

Não é a culpa de ninguém,
mas alguém tem de pagar este delito.
Dás tu o corpo às balas ou,
ou? Ou sou eu o senhor aflito?

«jd»

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Perverter

Por vezes adormeço com medo
que descubras que jazo
em ti tão sonhador.
Se te penso enquanto descansas,
repousa o dia todo
meu doce amor.

Não há cá bons razões
para mudar do noite para a dia,
há somente boas motivos
para pernoitar nesta harmonia.

Se permuto as letras do que escrevo,
é para que mais nada
me seja trocado.
Cozinho-te beijos no pensamento:
perverter é a infatigável tarefa
de um poeta apaixonado.

«jd»

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Relógio de Bolso

No relógio de bolso vejo as artes, as cores,
os triângulos desnudos na parede.
Anseio pela pornografia angelical
e por um romance que nos enrede.

Violo a tinta e a caneta, escrevendo
coisas desnexas de forma imparcial.
Arrumo todas as minhas ideias,
como quem organiza um memorial.

E fico aliviado por saber que há pessoas
diferentes a dotar dos mesmos sentimentos de calor.
Afinal não sou o único a divagar prosas imaginárias:
posso comprovar que ainda há esperança para o amor.

«jd»

em continuação do poema Frívola Mas Sensata Carta .

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Frívola Mas Sensata Carta

Mulher exponente, no teu passo diligente
és a senhorinha que me faz ser galanteador.
Que abonatória vida é esta, se permutamos
a covardia do travão pelo pedal do acelerador?

A madrugada amanhece-me e,
num assédio adentro, convida.
Convida-me a depreender que sou teu
desde início, desde há uma vida.

Escrevo-te, rascunho-te cartas,
sem saber por onde as encaminhar.
Vem morar comigo a partir de amanhã,
antes que se desvaneça este apaixonar.

«jd»

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Lê, Meu Amor Lê

Lê, meu amor lê, o que não te digo
quando acordado me sonho contigo.

Lê nestes lábios secos de rapaz
todas as palavras a ti desditas.
Admite que há, se te vires disso capaz,
uma estrada que em nós acreditas.

Lê, meu amor lê, o que não te digo
quando acordado me sonho contigo.

Ler é um assédio sob imposição
e eu ordeno-te que me assedies
da cabeça ao coração.

Lê, meu amor lê, o que não te digo
quando acordado me sonho contigo.

Não faças perguntas a um escritor,
quando óbvias são as suas respostas.
O amor doentio é o amor amor
que nunca deixamos atrás das costas.

Lê, meu amor lê, as entrelinhas do que jamais te direi
quando acordado sonho que contigo me deitei.

«jd»

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Sumário do Ser Amador

         Sou amador: a minha profissão é amar. Um Ser Amador é alguém profissional em amar.
         Embora seja profissional em Ser Amador, anda sou apenas um amador à beira daqueles que sabem amar, daqueles que sabem Ser Amadores.
         Sempre tive curiosidade em saber como se sentiria alguém a Ser Amado. Ser-se Amador é fácil: basta dar-se tudo o que não se tem e esperar que nos dêem a mínima parte do tanto que nos podiam dar. Ser Amador é fácil demais. O que nunca soube ser foi Ser Amado. Nunca tive engenho para isso. Nunca soube ser Ser Amado. Sim, ser Ser Amado. Nunca soube, nunca senti.
         Nunca senti o que os outros sentem quando eu lhes sou um profissional em Ser Amador, quando os amo. Nunca senti o que eles sentem. Nunca senti o que é Ser Amado. O que é estar do outro lado, do lado do amado. Sempre fui Ser Amador. Nunca fui Ser Amado. Sempre estive aqui, nunca estive do outro lado.
         Sempre fui o pobre que se fazia de rico. Sempre fui o sorridente que se refresca nas próprias lágrimas. Sempre fui o mentiroso que se dizia verdadeiro. Sempre fui Ser Amador. Sempre amei.
         Nem sempre te amei, mas amei-te sempre bem. Sou profissional em amar, em amar-te. Venero-te porque és aquela que sempre amei, porque és a tese, a ata de reunião, o sumário do Ser Amador. És o sumário do profissional Ser Amador que sou eu. Sou expert em amar-te. Sou o melhor no que faço e sei-o. Sou o melhor da minha profissão.
         Nunca ninguém te vai Ser Amador como eu te sou. Nunca ninguém te vai amar como te amo. Mas também nunca ninguém me vai Ser Amado como tu me és. Nunca vais Ser Amada por ninguém como és por mim.
         As nossas profissões complementam-se, equilibram a natureza. Se não estivermos juntos, estamos despedidos, falidos. Se eu for Ser Amador sem ti, serei Ser Amador sem quem me seja Ser Amado. Serei Ser Amador sem ninguém para amar. Mas, meu amor, se tu fores Ser Amada sem mim, serás realmente Ser Amada? Serás Ser Amada sem quem tenhas que te ame?
         "Sou amador: a minha profissão é amar"-te.
         Te. Amo-te.
         E nunca ninguém te vai amar como eu te amo.

«jd»

sábado, 5 de outubro de 2013

Temos as Mãos Agasalhadas

Ficamos onde a chama nos aquece,
onde o gelo ousa e nos derrete,
ficamos quando a areia nos incendeia
sempre que a vida impeça e nos afete.

Olhamos no chão e vemos
que foi-nos desenhado.
Não sabemos, perguntamos
quem tão bem ilustrou este milagre,
que abraçamos por ser abençoado.

Temos as mãos agasalhadas
entre paz e guerra assinadas,
temos ciclos de esperança
que embala amor e o balança.

Olhamos o céu e vemos
que o fado é por nós escrito:
as estrelas guiam sob o véu sombrio
e de dia o sol brilha o ar fumado
do brio de um extinto cigarrito.

«jd»

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

É o Certo que Queremos Sempre de Volta

         Voltava a fazer tudo igual: sem arrependimentos, sem costuras de improviso, sem maquilhagens que disfarçam o que nasceu mal. Mudava só os pontos que fizeram com que tudo falhasse. Esses, tão imensamente patentes na minha memória, só podem forçar-me a tentar, se vier a tentar, fazer tudo diferente sem que tenha de limar seja que aresta for.
         Não há casamento quando duas almas se juntam da forma como as nossas duas se fundiram. Não há pecado, traição, fraude ou fingimento sequer. Não há nada; há, no entanto, tudo: tudo o que passou, passou simplesmente porque se passou - passou porque aconteceu. Aconteceu e agora passou. Passou; fugiu; fugiu-nos. Passou-nos porque se passou - foi-se-nos porque aconteceu.
         Voltava a fazer tudo igual. Arrependia-me um pouquinho, mas voltava a fazer tudo igual. Os erros que nos parecem certos normalmente são os mesmos erros que nos parecem certos de poderem vir a ser errados.
         Se errei e nos sujei de consciência limpa, então a minha consciência não deixou de ser limpa só porque errei e nos sujei. Não há nada mais certo que o certo apenas nos parecer certo. É sempre assim: achamos sempre estar a fazer bem o que estamos a fazer. E não há nada mais preciso que o certo nos parecer acertado: e é-o sempre. Quando fazemos algo e achamos que o que fazemos é o correto, não há palavra - nada - que nos faça mudar de ideias.
         Voltava a fazer tudo igual. Mal, mas igual.
         Quando duas almas se juntam da forma como as nossas duas se fundiram, não há Deus, nem há guerra, nem há sentido de correto ou errado - tudo vira transcendente, tudo é uma verdade universal, tudo é imaculado, tudo é efémero também. Quando fazemos algo que achamos certo, mas que alguém sabe ser errado, o tempo pára e aquece a adrenalina que cresce em nós. Fazer o errado aquece-nos. Até escaldar a ação.
         O tempo parou naquele tempo em que eu pensava que estava a fazer o certo quando só fazia o errado. Agora que o tempo passou, acho que aquela sensação primordial de certo, de assertivo, de correto, era a vibração certa.
         Embora a reflexão me tenha tentado provar que o que eu inicialmente senti ser certo era errado, o errado agora - já com tanta saudade tua -, já me parece ser errado e, por isso, certo. Quando fazia o errado, pensava que era o certo. Quando me apercebi que era errado, errei por me aperceber disso. A saudade provou-me que afinal errei ao pensar que era um erro. Afinal o erro não era um engano, afinal aquele erro era o certo.
        O certo que nos parece errado.
        E é o certo - esse certo errado - que queremos sempre de volta: eis uma boa definição de amor.

«jd»

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Barca

Ontem pus-me a imaginar que era
um marinheiro abandonado,
daqueles que o mar mata e acelera
quando se sente a ser zarpado.

Ontem pus-me a sonhar a cores: a preto
e a neve insensível e branca também.
Sonhei que a saudade me seria um amuleto,
e que a falta de ti me faria velejar além.

Fui surpreendido e embarquei
numa ténue tempestade adentro,
adentro de infeções e vícios.
Fiz-me homem e abdiquei,
procurei as ideias ao centro,
mas só lá encontrei sacrifícios.

«jd»

domingo, 29 de setembro de 2013

Desoxigenada

        Não é à perda que se reage. Não é à falta que ela faz. Não é à saudade que nos deixa. Reagimos à perda porque a perdemos, porque era tudo o que de mais acessível nos havia e que agora, tão subitamente, já não nos é.
        Ela (a perda) não nos fazia falta, mas estava lá. Estava lá bem antes de ser perda. Lá no controlo em que só nós a tínhamos. Estava sempre lá, na nossa mão, tão bem guardada, virgem, tão pomposamente virgem e só para nós. Não era perda antes de ser perda. Muitas vezes perdemos coisas só porque nos são abdicadas. Essas coisas fogem-nos porque não soubemos como aproveitá-las ao máximo. Aproveitar ao máximo uma coisa não se trata apenas de a utilizar vezes e vezes sem conta. Não. É a necessidade, o dever de saber como usá-la o melhor possível e o menor número de vezes possível, como se fosse a última vez.
        Não é essa falta que nos faz reagir. Não é a saudade que deixa. Disparar cegamente para o ar não é algo que, ao comum mortal, possa deixar saudade. O facto de sabermos que a tínhamos e que já não a temos, isso sim, faz-nos reagir. Mas.
        Mas é essa perda de controlo que nos faz loucos. A ausência de poder. A falta de poder que antes tínhamos e que agora já não temos. Ninguém se pode sentir mais vazio que aquele que perdeu controlo sobre algo. É essa perda de controlo que nos faz loucos.
        A saudade que nos incendeia os pulmões é aquela que já não está sob a nossa alçada. Perdemos-lhe o controlo e ficamos sem ar. Vezes demais àquelas a que nos deveríamos expor. Somos, como tal, expositores da nossa própria amargura. Somos os masoquistas da nossa própria dor. Somos os intelectuais que, como qualquer outro idiota, deita tudo a perder e que depois fica com saudades. O idiota com saudades é o intelectual com saudades.
        Não haverá nenhuma palavra que descreva melhor a saudade que a palavra merda. É nela que nos afogamos quando sentimos saudade. É dela que respiramos o ar sujo das nossas ações sujas. Os pensamentos sujos só surgem quando agimos com sujidade. Ficamos na merda, uma merda que faz merda. Nenhum modo de pensar nos trará o que perdemos. Por tanto pensarmos, acabamos por nos habituar a apenas pensar. Acomodamo-nos. Pensar não nos oxigena o peito. Pensar só provoca mais remorso, mais culpa e, inevitavelmente, mais e mais saudade. Merda.
        É da saudade desoxigenada que vivemos, todos os dias, o remorso. O remorso de não ter feito nada de bom e de jamais fazer algo de não-mau.
        Oxalá mudemos. Por nós. A saudade.
        Esta saudade.

«jd»

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Saudade-altura

         Todos nós sofremos da mesma virose: da virose das saudades. O que não sabemos é que não temos saudades de tudo. Só temos saudades da altura em que sentíamos saudades, da altura em que o amor tinha altura, da altura em que a altura importava. Agora não. Já não.
         Se já não sentimos saudades, é porque não nos agarraram. Deixamo-nos agarrar vezes demais, vezes e vezes e outras tantas vezes, vezes a multiplicar por outras vezes. Tudo vezes sem nunca sermos agarrados. Agarrados de verdade. De facto.
         Na altura não nos queriam agarrar, agora estamos desagarrados. Desagarrados sem saudades de quem nunca nos quis agarrar na altura. De facto, se nos tivessem agarrado de verdade, talvez tivéssemos saudades de verdade. E, neste momento, já sem altura de verdade, vivemos no momento em que a altura já não importa, em que o valor já não importa. A saudade já importa pouco também, de verdade. Em nós, em eu, em tu, em ele, em ela.
         Se houve uma altura em que a saudade tinha importância, essa altura não é agora, não é o momento, não é nesta altura. Agora a saudade não nos tem altura, nem relevo, nem grandeza. Agora a saudade é uma coisa que nos faz saudade. Se houver saudade, é apenas saudade de ter saudade. Saudade da altura em que tínhamos altura, da altura em que tínhamos saudade, da altura em que tínhamos altura e não a sabíamos trabalhar, da altura em que tínhamos saudade e não sabíamos o que fazer com ela.
         Ninguém sabe trabalhar a altura em que tem altura. Ninguém sabe trabalhar os bons momentos, os que depois deixam saudade. Só sabemos trabalhar os momentos maus, os que não se querem na memória, mas os que só a memória retém.
         Só a saudade deixa saudade. Apenas a saudade nos faz recordar a altura, o relevo, a grandeza. Só a saudade de ter saudade é que faz altura àquela altura em que a nossa altura era boa e grande.
         Ter altura deixa saudade, não ter altura prende a memória. Incongruente tão.
         Se o momento tivesse sido bom, teríamos saudades dele. Só os momentos bons deixam saudades. Os momentos maus enchem-nos a memória, mas não deixam saudades. As saudades que nos existem, são só saudades de ter saudades dos momentos bons. Sentimos falta de ter saudades; de ter saudades, mas só dos momentos bons.
         Os momentos maus não nos deixam saudades, mas atestam-nos o pensamento.
         Incongruente tão.

«jd»

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Direito

Não tenho direito ao amor.
Só eu é que não tenho direito ao amor.
Se mereço o amor,
não mereço o amor direito.
Mereço o amor esquerdo,
mas não mereço o amor direito.
Não lhe tenho direito.

Se o amor seguir direito,
há-de encontrar uma avenida
repleta de felicidade primitiva,
depois de experienciar
uma efémera descida.

Se o amor seguir direito,
há-de estudar as mil leis
que compõem o sexo das palavras
e resoluções e absolvições
que as fragmentam em seis.

Se o amor seguir direito,
nunca saberá o que é ser torto,
nem nunca se rebaixará
sobre estranhas emoções
que lhe violam o conforto.

O amor não me é direito,
de fácil condução,
estudo fácil, proveito
ou manutenção.

«jd»

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Ausência de Tudo é Nada

Dá-me o ar que não te sugo
e devolve o que sugaste de mim.
Dá-me um pouco de pena de ti
e retribui a pétala de jasmim
que se me levaste daqui.

Somos todos pedaços.
Pedaços amavelmente
desperdiçados.
Porquê respirar o negro ar,
ar que nos faz constantes
desgraçados?

Eu, que sofro com o que escrevo,
bem sei exprimir o que é tolerar
a dor com que nos vingamos.
Esta é a evidente sanção
com que nos castigamos.

Quando o romance é tudo,
a ausência desse tudo
é nada.

«jd»

sábado, 7 de setembro de 2013

Teu Leitor

Vou esconder a mão
atrás do sol
quando o sol se esconder
atrás da montanha.
E tal como o sol,
também eu vou dormir
um sono profundo
e este sonho que me banha.

Sou melhor que tudo,
e esse meu tudo
é melhor que não nada.
Sou-te sobretudo
nobre, pobre e mudo,
nesta paixão sensual e falhada.

Não vês que és de nós
a mais muda e impassível?
Não vês que é agora que tens
de mudar se te for possível?

Não vês que és assim? Assim
como nunca quis ó minha paixão.
Não vês que isto nos deixa sozinhos,
presos a um revés de grande dimensão?

Premeias o amor pois és o amor,
és todas as suas características:
virtude, defeito, textura e cor.
És todas essas estatísticas
e eu por aqui restrito, tão teu leitor.

Tão teu leitor.

«jd»

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Rota Idade

Amor meu: porque não desfrutas do amor em geral?
E amor em geral: porque tentas atentar o amor meu?
Pseudo amor: porque tão penoso te constróis
quando o lhano amor que eu te tenho
é tão mais forte que mil fracos heróis?

E venham mais três mil doses
desses pérfidos e fúteis paladinos,
pois eu os mato a todos
só para te ter em completude!

Que mais posso eu fazer?
Que mais posso eu existir
se não mais te existo
como me é suposto ser?

Viver para te amar
é-me uma tremenda
batalha em sacrifício.
Julgo que um dia serias capaz
de me perdoar, se eu me ausentasse
deste extenuante cargo e ofício.

Não por mal o farei,
só tu sabes amor que
jamais o faria por vil maldade,
mas conforme o tempo nos voa,
também a descolagem fará
levitar a nossa rota e gasta idade.

«jd»

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

É. O amor é.

           O amor é. O amor. É.
           Pateticamente esperançoso: eis o amor. Eis o amor em toda a sua magnificência, em todo o seu auge, em todos os seus tempos verbais mais ínfimos e em todos os locais mais ostentosamente fotografados do Outono. O cair das folhas secas, que só variam do âmbar ao pardo, do amarelo ao castanho, do sol à árvore, permitem-se a ficar gravados na eternidade. Ousam ficar gravados na eternidade deste amor que é.
          O amor é. O amor é construído numa terra tão estéril e tão inclinada que os amores julgam ver no seu amor um bom terreno para construir amor. O amor não se constrói em sítios desses. Toda a gente o sabe.
          O amor é edificado entre o mercado e a florista, entre a mulher e o homem, entre o necessário e as flores. O amor precisa de pilares, de quatro pilares. O amor é. O amor precisa de ser vivido no campo, nos vales, numa cabana moderna ou numa velha casa citadina. O amor faz-se no topo dessa casa, por debaixo das águas furtadas, numa noite enregelada de Inverno. Não há amor que não mutile a mais fria das estações. Não há amor que não aqueça os apaixonados quando pendurados sobre o rasgão da parede: essa janelinha redonda forrada a madeira seca, que lhes concede as mais ricas e vagarosas vistas de todo um vale vivamente assediado pelas montanhas. Quando as serras começam a esconder o sol que lhes adormece, os namorados beijam-se. Do sopé até ao cume, os namorados beijam-se como se o amor lhes fosse mútuo. E é. Tão somente mútuo. Beijam-se.
          Tão verdadeiro. O amor é. O amor lhes é. Tão verdadeiro. Tão verdadeiro como o nascimento após a morte, como as forças da primeira flor que empurra e derrete a neve que a cobre. Tão bonita a primeira flor de Primavera. Tão estreante e viva. Tão pioneira como o primeiro amor, que será sempre o mais prematuro e genuíno. Este casal, estes namorados, são a primeira flor de Primavera. Só se tiveram. Um ao outro, só se tiveram. Quiçá até, só se têm. Um ao outro, só se têm. É verdadeiro. O amor é. O amor lhes é. Tão verdadeiro. Tão único e tão astuto e lindo lhes é o amor.
          Nem a brasa que se respira no campo - quem lá vive saberá do que falo - é razão, pretexto ou encenação de um amor desverdeado entre os dois namorados. O amor não lhes deixa de ser verde. O Verão traz com ele todo um foco de calor e todo um foco de chama. O Verão é matreiro, mas eles lhe são tão mais! Os namorados, na sua casa de tijolo e betão, ou de pedra e madeira, resistem ao calor que a mãe natural lhes incube, gerando ainda mais calor e trepando, mais e mais, na temperatura e na temperatura. Fazem amor com palavras debaixo do brilho do sol. Fazem amor com os corpos pousados nas férvidas telhas da casa. Nesse teto ao abrigo, dão as mãos à cordilheira que recorta o longe horizonte e abençoam todos os anos seguintes.
O amor é. O amor. É.
          É tudo isto. Que lhes sejam anos tão doces e prósperos como o último.
          E, ao amor que lhes é, ámen.

«jd»

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Exibição Urgente

Amo-a porque a tenho
em mim tão pouco de si.
Ela conta-me todas as suas histórias
e só me deixa omitir o que vivi.
Nas vaidades especulatórias
ela tanto opina sobre a forma
ostentosa com que vivo,
como crítica ainda a maneira
como romanceio sendo imperativo.

Não lhe lanço avisos, e ultimatos
deixo para aqueles que neles crêem,
mas se o nosso romance fosse um copo
transbordaria da água que não tem.

Nenhum abraço deve ser
exibido à porta-fechada,
nem nenhum beijo merece
ser dado no escuro.
Se nos queremos tão bem
quanto nos idealizamos,
talvez seja hora e dia certo
para fazer do hoje o nosso futuro.

«jd»

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Ensaio Sobre a Cobardice

          Não é a coragem que faz o mundo andar para a frente. Não é a coragem que faz o mundo andar sequer. O mundo anda, desde que o mundo nasceu, aos solavancos. Não é a coragem que faz o mundo andar; é a coragem que faz o mundo não parar! Se paramos, morremos. Se não temos coragem, morremos também. A coragem não serve para mais nada a não ser para nos manter vivos. A coragem é o elixir que mantém o mundo de pé, mas não é a coragem que faz o mundo andar.
          O que faz o mundo andar é a preguiça e a cobardice.
          O cobarde vai mais longe que o gajo que se diz atestadinho de bravura. O cobarde explora tudo com medo, investiga todas as soluções com pavor. O cobarde não se rende a qualquer solução. O cobarde tem medo das soluções boas, porque está convencido que essas soluções podiam ser ótimas. Um nível acima. Um primor. O cobarde finge que acredita nas soluções satisfatórias para que o corajoso se renda a elas, mas o cobarde nunca desiste de procurar soluções maiores. É um cobardolas.
          O preguiçoso escolhe o mesmo caminho. O preguiçoso tem preguiça de escolher a primeira solução, porque é uma solução dolorosa. O preguiçoso fica à espera que uma solução menos dolorosa apareça - normalmente é a segunda solução. Quando um problema lhe surge, o preguiçoso fica apático à espera que ele desapareça. Se o preguiçoso tem preguiça de agir, raramente terá preguiça de pensar. O pensar exige preguiça. O preguiçoso tem de ser um bom pensador.
          O gajo corajoso normalmente não é preguiçoso, aceita de bom grado a primeira solução que se lhe impõe, porque a única coisa que quer é resolver o problema. E rapidamente: antes que se alastre. E, resolver o problema - todos nós sabemos isto -, não é aceitar toda e qualquer solução que nos é apresentada. Resolver o problema é ter preguiça de o resolver. É adiar a sua resolução. É pensar e bem pensar e ter preguiça de atuar e ter medo de atuar.
          O corajoso não pensa, o corajoso só atua. É o típico menino rico: um ativista que não pensa. O corajoso é um ativista que não pensa.
          O preguiçoso e o cobarde são os melhores a fazer o mundo andar para a frente. São eles que fazem com que o mundo pense. Sem preguiça, todos atuaríamos sem pensar. Sem cobardia, todos aceitaríamos a primeira solução.
          É preferível ser um medroso de preguiça a um merdoso de valentia.
          Ser cobarde é bom; ser preguiçoso?, é jeitoso também. Não é a coragem que faz o mundo andar para a frente. Não é a valentia que faz o mundo andar sequer. O mundo pára quando se é valentão. Atuar só por atuar é a própria aceitação da inércia de atuar. Se queremos fazer algo, que o façamos apenas depois de sermos cobardes e preguiçosos - depois de bem pensarmos. Vamos atuar só depois de pensar muito bem.
          Vamos atuar só depois de pensar muito bem: eis uma boa declaração de amor.

«jd»

Mim Cogitar Mal

       Pensar é a minha tarefa. É o cargo não-remunerado que mais recheia o meu curriculum.
       Pensar traz-me tanto de emoção, como de perda de tempo. Quando penso, não penso em mais nada. Quando penso, a mente congela-me os pensamentos. Os pensamentos congelados não são mais do que a mente a pensar. A mente a pensar não é mais que um ofício prematuro da ação. A ação é um parasita do pensamento, do pensar. Sem pensar, não há ação. Sem ação, não há consciência. Sem consciência, não há pensar. Este é o ciclo supremo e infalível.
       Pensar é como o sexo da primeira vez: dá prazer, mas traz dor. Nada dá mais prazer e dor que pensar. Pensar dói e vicia pelo prazer que dá. Eu penso que sei pensar, e ao pensar que sei que penso tenho tanto de dor, como de harmonia. Nasce-me uma flor para de logo murchar.
       Pensar dói-me pelo simples facto de tentar, ainda que sem sucesso, concentrar-me em não pensar. Pensar estraga-me a harmonia que procuro. Se não pensar, talvez a encontre. Mas como encontrar algo sem pensar em procurar? A procura depende-me do pensamento. Se pensar menos, poderei encontrá-la?
       Há todo um edifício de sensações que precisam do pensamento. O amor, ainda que primaveril e perfidamente apaixonado, precisa do pensamento. A paixão vive do pensar, do remediar, do balancear, do ajustar. Não há equilíbrio nenhum que se possa fazer num amor que não tenha cunho do pensar. O pensar manda, coordena, governa todas as paixões. Não há paixão nenhuma, por mais louca e irrefletida, que não tenha tido mãozinha do pensar. O pensar manda até no mais inconsciente dos apaixonados. Diz-lhes como atuar, mesmo nos atos mais imprudentes.
       Há sempre um pensar, mesmo que não seja um ótimo pensar: heis uma boa definição da minha tarefa. Penso que penso. Penso que sei pensar, ainda que mal. Penso, ainda que mal, porque ao menos penso. Páro e penso. Todos os dias. Todas as horas. Penso.
       Não sei fazer mais nada na vida do que pensar. Se me aceitarem dar emprego, que seja para pensar: porque mais nada sei fazer. Talvez pensem que não sou um bom pensador. Sou um mau pensador, mas sou um mau pensador que pensa ser um bom pensador. Há-de valer o tempo de pensarem nisso com a calma que pensar exige.
       Mas chega de pensar. Pensar faz dói-dói, faz pensar.

«jd»

domingo, 1 de setembro de 2013

Todos Os Romances Deviam Ter Livro De Reclamações

Retiro as palavras que disse
na omissão da minha cega voz.
Permuta é a troca dos acompanhantes
pelos apaixonados cercados e sós.

Sós estamos nós; tão sós
que nem um abraço nos faz falta.
E nem mesmo no pináculo do nosso amor
cheiramos o ego que nos devolve a ribalta.

Todos os romances deviam
ter livro de reclamações.
Deviam ter monstros e fadas
e bêbados ao soco aos juízes.

Todos os romances deviam
ter livro de reclamações.
Deviam ter terra bem lavrada
e ervas queimadas sobre as raízes.

Todos os romances deviam
ter livro de reclamações.
Deviam forçar os enamorados
a desmascarar as suas emoções.

E todos os romances deviam
ter livro de reclamações;

Todos os que sentem paixão a fluir
deviam também o dobro do amor sentir;
e deviam saber que um abraço não custa,
quando sua alma é nobre e justa.

«jd»

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Encandeamento

         Vais ter de ler isto com calma, porque eu sou homem para ter escrito tudo mal. Cuidado. Vá.
         Quando um gajo se apaixona cai no erro de pensar que todos os gajos à sua volta também estão apaixonados. O apaixonado é uma besta.
         Quem alimenta essa besta é apaixonada e também é besta por isso. O amor que o complementa, essa gaja nua e intelectual, é outra besta. É outra besta porque tanto é apaixonada, como também é alimentada pelo animal que se esforça por manter feliz e nutrido.
         Os apaixonados são animais, são bestas. São bestas porque alimentam o outro e são bestas porque são alimentados pelo outro. Alimentam-se mutuamente, as bestas. Unem-se numa cerimónia bestial - de bestas - para comemorarem o ato de egoísmo que os une: serem alimentados e até felizes, porventura. A gaja é apaixonada para ser alimentada e o gajo é o animal que procura a mesmíssima coisa. Eu sei, isto é tranquilo e pateticamente equilibrado.
         O gajo que está apaixonado nunca vai querer saber do gajo que não está apaixonado. Que besta, que animal, é racional? Que animal é racional ao ponto de pensar, por um minuto, no outro animal que não tem o que comer? Nenhum animal tem valores quando está com fome, nenhum apaixonado é misericordioso com os que não estão apaixonados.
         Quando um animal é de grande porte é porque geralmente é uma besta apaixonada. Sendo que é uma enorme besta apaixonada, vai procurar o alimento incessantemente. É óbvio que não vai andar preocupado se os outros animais pequenos - ou gajos de porte inferior - conseguem, ou não, encontrar comida. Nops, não vão.
         No momento em que um apaixonado atinge o pináculo da paixão, deixa de se preocupar verdadeiramente e de forma pura com a felicidade dos outros e, se realmente se preocupa, é unicamente para ter um casal amigo por perto, para ter uma garantia de ter com quem fazer um jantar a quatro. E, como tal, por egoísmo também.
         O apaixonado é tão dono do seu umbigo que não quer saber dos umbigos vizinhos. Nem os olha de frente, porque sabe que "se arriscar olhá-los de frente corre o risco de sofrer encandeamento, que provoca cegueira momentânea e que pode, nos casos mais graves, desvia-lo da sua via, ocorrendo um acidente" - engraçado, também diz disto nos livros de código da estrada. Isto é o típico acidente que acontece quando um apaixonado se desconcentra da sua paixão e passa a concentrar-se na paixão dos outros. Mas sabendo disso, o apaixonado prefere não se desviar da sua via, ou seja, da sua própria paixão e acaba por desviar o olhar, fugindo ao encandeamento e a uma possível colisão ou acidente com a sua paixoneta.
        O apaixonado é vil. O apaixonado é tão fodidamente vil. Só pensa em si e, quando pensa nos outros, é certamente porque tem alguma coisa a lucrar com isso. Só pensa nos outros para manter os seus interesses turn on. Então, muitas vezes, para não ter com o que se aborrecer, o apaixonado deixa de pensar dos desapaixonados, não vá surgir um maldito contágio.
       Quando um gajo se apaixona cai no erro de pensar que todos os gajos à sua volta também estão apaixonados. Mas será isso realmente um erro, ou antes será um ato pensado e refletido?
       É que, afinal de contas, o apaixonado é a besta que todos nós conhecemos e somos.

«jd»

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Esmeradamente

Ainda cheiro a tua imagem
junto à minha num abraço.
Amealho o quente dos teus cabelos
ao doce e terno pescoço teu
que tanto beijo como enlaço.

O último beijo, o da despedida,
vem sempre agarrado aos lábios,
junto à memória e preso à saudade.
Um dia vou voar, um dia vou por aí ficar,
e nesse dia, nessa semana, nessa pausa,
irei fazer juras de amor à extinta amizade.

Nunca quis uma breve corrida de cem metros
ou uma pontual amizade na semifinal,
porque intentei fundir a paixão e fraternidade
num compromisso que se nos fosse ideal.

Amor meu, tudo meu
são cores tamanhas tuas.
Tudo meu são cores de vida,
és-me toda a cor esmeradamente
pincelada por estas ruas.

«jd»

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Amado-Lírico

A paixão é o deserto,
é o safari e é a descoberta,
um oásis de porta entreaberta
que se dissolve no discernimento
na plenitude da razão
e pleno total de julgamento.

É toda uma ausência de sentido crítico
quando o ser crítico está dormente.
Somente é dormente por não estar doente
de amores ou de questões do amado-lírico.

Sou um amado-lírico,
sou-te amado-lírico.
Sempre te fui, sempre
te serei amado lírico.

De tudo há aparte sou tão
completamente amado-lírico
e jamais te fui ou serei mais que isto.
Outrém passado condenado
refaço um presente somente doente
para somar ao futuro maduro,
o qual pela alma invisto.

Sou um amado-lírico,
sou-te amado-lírico!
Sempre te fui, sempre te serei:
sempre te serei amado lírico.

«jd»

sábado, 17 de agosto de 2013

Primeira Experiência Descritiva

        No deserto da aventura vejo ovelhas a deambular, como quem passeia sem rumo numa encosta junto ao mar. Vejo flores a correr obrigadas e desabrigadas pelo furor do vento, vejo coisas bonitas e cheiro outras tantas num calor que de nada tem momento.
        Fotografo um cume que está repleto de cores e formas rurais e naturais, de girassóis sincronizados, de vegetação tão verde que parece que nunca foi bravada; que sempre ali esteve, desde sempre. Mas o céu, o céu quase azul e quase branco, quase que me transporta para o próprio ambiente visionado. Transporta-me por dentro de um trilho de terra grudado à esquerda dos girassóis, onde passa qualquer “rebanho” e qualquer criança. Conduz-me porque me capta a atenção e seduz-me os sentidos, sem nunca os baralhar. Cria em mim uma dualidade de pensamento: primeiro permite-me ter um imenso prazer e um gigante desejo de fazer parte da paisagem e de a viver, mas em contrapartida sinto que não me é correto personificar ainda mais a imagem, porque se eu fosse um outro elemento daquele cenário, provavelmente estaria, embora irracionalmente, a impor o genótipo da minha “mão humana”.
        Toda a paisagem é etérea porque só tem mão da Natureza. É sublime porque, quer eu olhe “para a direita ou para a esquerda” ou para trás “de vez em quando”,  serei sempre domado pela força dos girassóis e pela pureza dos céus. É perfeita por ser primaveril.
        Ressalvo que este é, na minha humilde perspetiva, um poder de difícil ou até inexistente descrição.



quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Metaforicamente Adivinho

Doces estrelas brilham no chão
quando caio neste vil preocupar.
Doces e amarelas são as flores pelo teu corpo
que me vigiam, só para me manter neste ocupar.

Ocupo-me contigo por não ter
onde mais soltar minutos de suspiro.
Escrevo-te em páginas vermelhas
na ânsia de me comportar como um vampiro.

Que só te solta o sangue por saber
o quão bem me sabe o teu vinho.
Nota que a nota foi anotada
por alguém que se diz adivinho.

Sou adivinho porque prevejo,
não as tempestades nem as batalhas,
somente adianto os carimbos da humanidade
que te confunde quando me baralhas.

Larga o sol que te queima,
vislumbra apenas a lua que te acalma,
porque todas as metáforas são conselhos
de quem te gosta com inteira alma.

«jd»

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Animismo das Sórdidas Gentes

Há, em medidas inversas,
pontos positivos e pontos nessas
não tão perfeitos ou positivos,
numa perspectiva que se assemelha
a outro ponto de vista.
Mas o ponto mais fulcral
é distinguir o ponto final
dos dois pontos
que te opõem
dentro da lei animista.

O animismo aconselha
a termos menos alma viva e vermelha
que qualquer pedra, planta ou ar.
Rogamo-nos regando-nos
com humildade perante
todos os julgamentos
daqueles que não devem julgar.

Acatamos esses demais
julgamentos de revelia,
mesmo sabendo que não devíamos ouvir.
Paramos, se bem que já quedos e apáticos,
sobre pronúncias de sórdidas gentes
que já só nos nutrem alimentando
toda esta vontade de nos permitir.

«jd»

sábado, 10 de agosto de 2013

Capitalista

Mulher má, dedico-te isto.
           Nem foste uma mulher muito má para mim, foste só uma mulher que passou e fez a sua nhé malvadez. De vez em quando ainda passas por mim e nem dizes nhé olá, mas isso nem é uma nhé matreirice: é uma nhá bênção.
           Bênção é o estado em que me deixaste, porque me preparaste para o que de pior e de melhor o mundo tem para oferecer. Preparaste-me como um mentor prepara o seu discípulo, preparaste-me para a guerra sem avisares que o que se avistava no horizonte não era nhé guerra alguma.
           Este período de nhé paz não durará para sempre, mas hás-de-te orgulhar de mim quando vires que fi-lo durar tempo suficiente para te matar de mim. Morreste-me.
           As pessoas dão a importância às coisas com base em estimativas irreais. Dou-te um exemplo rútilo: se fosses uma ação e eu precisasse de te valorizar na Bolsa de Valores, decerto que ficaria com prejuízos tão grandes que desmantelaria todo um Wall Street. Não vales aquilo que eu pedia por ti, foste apenas uma má simulação, uma especulação ácida e corrosiva. Foste-me uma Quinta-Feira negra, uma sobreprodução de paixão que tenciono esquecer. Em apenas dois dias, perdi bem mais que dois mil milhões de dólares em lágrimas. Nunca te vou perdoar por isso.
           Os teus beijos sabiam a notas, sabiam a dinheiro. Se te beijasse de novo, já só saberiam a moedas, a dinheiro. Nada mudaria. Nada mudou. Nada muda. Nada mudará. Nem que os mercados abram amanhã com ganhos desmedidos, nem que as ações voltem a valorizar, nem que a América conquiste o espaço. Nada mudará.
           Mulher má, dedico-te isto.
           Hoje controlo a Bolsa, toda a indústria e todas as matérias-primas. Não existe acioniosta mais poderoso que eu. A prosperidade vai voltar e eu vou voltar com ela. Acabou-se a Era da Grande Depressão. Acabou-se o desemprego, acabou-se a fome e acabou-se os vícios à margem da lei. Eu serei o Estado que rege as normas mais pequenas. E mesmo essas normas mais pequenas, que regem valores ainda mais invisíveis e somente morais e não-escritos, terão respeito por mim.
          Até tu, que nunca tiveste valores - e que, se os tiveste, nunca mos mostraste - terás respeito pela minha obra. A minha obra será marcada por esta aventura que edifico contra ti. Esta atrocidade que não tem razão lúcida para existir, levantar-se-á sempre que pensares em mim. Se eu deixar de ser o poeta que sou, será apenas em tua memória, porque morreste de corpo. Mas, enquanto viveres, nunca deixarei de ser dotado para o verso. Terei sempre uma razão para escrever, uma razão que me estará reclusa e casada na memória.
         Mulher má, por ti e só por ti, nunca baixarei a guarda por mulher nenhuma. Muniste-me de sobriedade contra a malvadez infantil e dócil que todas as mulheres possuem. Por tua causa, nunca serei um totó.
        Obrigado mulher má. E nhá adeus.
«jd»

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Fido Amor

Não há cá pequenos artifícios,
meros pragmatismos
ou abordagens simplistas.
O que mantém um fido amor vivo
é a sensata cortesia áurea
e as carícias anarquistas.

No fido amor, as lágrimas não se choram,
as lágrimas somente servem de alimento,
porque quando um dos apaixonados chora,
o outro fica igualmente cinzento.

Quando escreveres as tuas
primeiras palavras de amor,
não uses amor e paixão na mesma frase,
porque a tua Julieta pode pensar
que todo o compromisso e empenho
é breve romance de uma só fase.

«jd»

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Tão Tamanho Tal

       Não precisas de ser para já o ser. És tu quem arruma as emoções, tu quem limpa as amarguras e és tu que lhe aspiras as más fantasias. A noção é tua e tens-la. Tens a responsabilidade de ser o ou a amante.
       Ser o ou a amante dela ou dele. É giro pensar neste conceito. Sempre o abominamos, porque nunca concebemos o ideal mágico e cósmico de amante na nossa cabeça. Era algo sujeito a infidelidade, a traição e a mentira, mas agora entendemos que o ou a amante é aquele ou aquela que ama, é aquele ou aquela que cuida. Se és amante ou namorado ou namorada, não sabes; mas sabes que se tiveres de ser o ou a namorado ou namorada e não puderes ser mais amante, que vais mergulhar numa tristeza tal que vais desejar terminar o namoro com ela ou ele só para poder voltar a ser um verdadeiro, ou verdadeira, amante.
       Ser amante é que é! Ser amante é que te dá pica. Não só o facto de ser um romance pseudo-secreto, mas também o facto de a ou o amares sem nunca teres dito que a ou o amas. Tu amas. Sabe-lo porque tu amas todos e todas, aqueles e aquelas, com quem te preocupas. Se no romance a ou o amas? Não sabes.
       Mas se te preocupas com ela ou ele, ai isso preocupas, ai isso amas!
       Amas preocupar-te com ela ou ele, não trocavas isso por riquezas opulentes. Se estivesses num sonho e alguém, apenas por maldade te acordasse agora, garanto-te que seria contra tua vontade. Não queres acordar deste sonho, nunca estiveste tão tamanho tal apaixonado ou ada. É com ela ou ele que queres passar todo o tempo.
       Se formos capazes de banalizar a paixão, que o façamos com inteligência e até, porventura, com alguma classe e ternura. 

«jd»

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Como Sente Um Inocente?

É no amor que me revejo,
é no romance que empenho a vida.
Se houver algo após o beijo,
que seja um perene abraço na avenida.

É no amor que eu demais instalo
a instituição que rege a minha poesia,
se ela um dia falir num fugaz intervalo,
que aniquile esta minha fraca sinestesia.

Porque sou um excecional poeta ordinário
que se dedica à escrita de versos de amor.
É no amor que as esperanças saem ao contrário,
quando se trata como jarro alguém que é uma flor.

«jd»

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Algures entre o Crepúsculo e o Amanhecer

Sei que jazes apaixonada nos céus do amanhã
com a viva esperança que o amanhã
desperte da realidade a qualquer momento.
A ternura é um esmo sobremaneira calculado
numa gentil réplica acordada sem assento.

Juntos de tal maneira longe, não vemos o sol a adormecer
na esquina cortada do prédio da frente,
mas notamos (todas as noites) que o sol
se ergue para nós no seu irrestrito absorvente.

As noites são-nos mais longas que os dias,
porque amarga claridade tem menos para contar
que as doces noitadas deste nosso enternecer.
Meu amor, quando matarmos estas saudades,
que seja algures entre o crepúsculo e o amanhecer.

«jd»

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Sina de Riacho Estéril

Sinto-me próximo de perder o contacto
de tão longe estar do que perto me pertenceu.
A aguardar estão ambos os lados da margem
que virou, entrou em coma ou pereceu.

Pelo sul conto as imensuráveis estrelas
que se amontoam na varanda da nostalgia.
Imensurável é também a saudade de paixão
que dormir não me deixa deste lado da periferia.

Hajam folhas soltas e secas a voar pelo ar
que respiro com uma intensidade neutra de velho.
Sejam elas a despertar os sentidos adormecidos
de um apaixonado que não liga a nenhum conselho.

Se os amigos desafiam e alertam,
alertam somente o mau ócio da consciência.
Mas o apaixonado só quer ouvir o coração,
deixando a cabeça derrotada pela incoerência.

Heis uma paixão de verão, a sina de riacho estéril
que tem dois afluentes em corrida para um único mar.
Se os amantes algum dia souberem se isto é correto
poderão nunca mais viver outro apaixonar.

«jd»

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Previsão para Agosto

Tive seis ou apenas uma opção,
todas elas sem nexo nenhum,
mas dentro de ti sou verde de verão
e longe um mero outono de jejum.

Fomos duas pétalas que voaram
em sintonia pelos campos de trigo.
Confesso-me falso amante daqueles que te amaram,
quer te esteja abraçado ou vizinho de perigo.

Esse embrião-menino-sentimento que é teu,
teu é por direito, embora direito não esteja.
Julieta, aborta o passado que te alvoreceu
para que uma paixão te surja que eu veja.

Espero pela espera que me incutirás,
porque minha virtude incutida é a de esperar.
Em agosto não prevejo o que sentirás,
quando te for lançado um jovem mancebo beijar.

«jd»

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Ensaio Sobre A Outra Condição

            Engane-se quem pense que estar apaixonado é a melhor condição. Não é.
            Há algumas semanas estive a trabalhar num novo conceito, numa nova temática. Claro que o resultado do meu projeto é tão sugestível de ser falacioso como qualquer ideia piloto, ainda assim não posso assegurar que não ficarão rendidos à evidência da minha ideia brilhante. Cuidado com o que vão ler.
            Quando estamos apaixonados o nosso ego é tão volúvel que num momento estamos no topo do Empire State Building e, inopinadamente, estamos de bilhete na mão, sentados junto ao underground de Manhattan. É assim, há pouco a fazer para mudar as circunstâncias.
No entanto, há algo neste mundo que, sendo deliciosamente mais altruísta que estar apaixonado, nos permite abancar nesse topo de Nova Iorque, seguros de nós mesmos, e alongar a felicidade até ao Futuro do Indicativo. O que é esse algo?
            A amizade é o companheirismo elevado ao cubo. A amizade é o cabelo do Presley, a voz do Obama e as palavras do Gandhi. A amizade são mil momentos específicos sem ponta de especificidade. Se dizem que a condição humana é amar, é apaixonar e procriar, estão enganados. Temos de fazer isso por imposição. É uma regra da qual não duvidamos, respeitamos e assimilamos a ordem, mas sem fascínio. O Homem é desfascinado pelas leis. Sim, desfascionado. O Homem gosta é de amizades sem lei, de leis sem leis, da única lei que inibe todas as leis, de uma lei que proíba a existência de leis. O Homem bem que trocava novas amizades pelo amor velho, se tivesse poder judicial para isso, se fosse juiz da situação. O Homem até já apresentou recurso, em todos os tribunais que para aí existem, mas há quem insista em manter a situação pendente, congelada, a aguardar julgamento. Então somos forçados a acatar a ordem do tribunal, a vestir um colete de forças, a calçar umas algemas e a viver o amor, o ódio e a paixão como se fosse algo irrevogável. Numa prisão.
            Até que ponto estará isso correto? Até que ponto temos de obedecer à Lei? Porquê que temos de estar pendentes do amor e do matrimónio do Futuro do Subjuntivo?
            Eu tenho uma sugestão. Não é agradável, ninguém disse que o seria. Aviso já, vai aborrecer muita gente. É uma coisa chata. Bom. Mau. Eu. Eu cagava no amor. Que se fodam as leis, os tribunais e essa gentalha. Eu cagava. Quem diz que a amizade é um plano secundário é um gajo, ou uma gaja - calma que não quero parecer machista - que não sabe nada do assunto. Ou pouco somente. Ou realmente nada porventura. Quando alguém está mal de amores, aparece a amizade e limpa os destroços. Quando o amor chega tarde para jantar, é a amizade que faz companhia. Até admito que, quando o amor está com o período ou não quer dar uma fodinha, pode ser a amizade a fazê-lo. No que a mim me diz respeito, já soube mais sobre esse assunto do que sei hoje - desaprendi, mas enfim. É como vos digo: engane-se quem pense que estar apaixonado é a melhor condição. Não é.
            Estar amizado é bem melhor. Estou convencido que pode virar moda daqui a uns anos, quem sabe. Quiçá. Porventura. Possivelmente.

«jd»

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Beijo Lacónico

Lídia, chamava-te Julieta
se me resgatasses o coração.
Chamava-te pelo nome,
que tão nada te conheço,
por um beijo lacónico
pelo qual me adoeço.

As ruas, as luas
e todas as capitais
- porventura industriais -
estão negras e sujas
do amor que ninguém tem.

Mas Lídia, se me tens o coração,
arde-me a garganta num
espaço de oração.

Beija-me, nem que seja
num ato melindrado,
sente o lábio que te
está solto e apaixonado.

Encanta-te por me sentir
por ti encantado.

«jd»

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Monólogo de Silêncio

         Falas tanto e de forma tão elegante. Pareces um pavão a falar para todos, sobre todos, com todos. Na retina de quem te ouve falar, és só tu quem pode olhar enquanto fala. Podes estar acordada a falar, desde que todos adormeçam a contar-te as palavras. Não é por aborrecimento, é só por suborno à paixão. És o monólogo no grupo de amigos, a sirene de emergência para todas as viaturas da estrada, o raspanete eterno e eterno da mãe para o filho. Falas tanto e tanto e tão bem e tão bem, que todos fazem questão de te ouvir e de te ouvir e de te ouvir.
         Falas bem para caralho - sim, falas bem para caralho. Mas falas desconversando os assuntos, os temas e as demais coisas pensadas, rascunhadas na plataforma-mente e na linha-memória.
         Viciaste-me o tabaco e nunca mais fumaste comigo. Mulher má. És o meu ponto fraco, a ala mais conservadora do meu ego. Para que me serves mulher má? Para que me serves, diz-me lá, se não me serves?
         Penso em ti dia não, noite sim, dia não, noite sim. É exaustivo, estou exausto. Penso em ti, para ti, de ti e com ti (go). Nunca me abandonas. Raios. Nunca?
         Bélica é a máquina sóbria e desativada. Máquina que recalca os sentimentos e que resolve chorar só no momento da saudade. Desculpa lá se falei de ti, ó máquina. Falei só de mim. Máquina: fala agora, fala depois, fala antes da ressaca, antes da guerra, fala antes do conflito, na partida.
         Isto é uma guerra aberta. É uma declaração de paz rasgada. Acabou-se os pactos de não-agressão. Se estou em regressão, a culpa é tua. És má, tão boa mulher. Mulher má, mereces guerra, mereces porrada, pancada, bordoada, cacetada, lambada e tudo o que acabe em ada. Mereces também ser beijada, mas não por mim. Adeus.
         Estou cansado de te ouvir, mas se já não te ouço, como posso eu cansar-me? Isto que tu me tens - a ser um monólogo - será de silêncio.

«jp»

sábado, 29 de junho de 2013

Sem Rastreios

Jamais abdicarei do ato que não nos une,
mas sei bem o quanto o tempo urge e pune
quando se contam promessas de amor.
Seja a poesia a minha eloquência,
a minha declaração de insolvência
de uma paixão gasta e sem já fulgor.

Canto eu sendo escrevente, e escrevendo
imponho ritmos às coisas que vou vendo,
separando as linhas minhas das tuas arestas.
Amor, em cada esquina, em cada planalto ou meseta,
lâmpada minha fica nua e gasta de griseta,
por cantar-te tão sofregamente pelas florestas.

Amor é tudo o que te tenho
por te ter nesta tanta conta de saudade.
Já pouca gente permanece junto a mim,
dado que sou poeta solteiro e sem idade.

Se empenho esforços para me soltar de ti,
é porque creio que de perto nunca te vivi,
sem que me restasse um pingo de receios.
Dizem-me que está na hora de em frente seguir,
mas a vida retomará sempre que te vir,
e lembrar-me-à deste amor sem rastreios.

«jd»

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Renata

Renata, sei a forma que te dão
e o carinho com que te tratam,
sei a vida que te permitem
e os imensos sonhos que te dilatam.

A gente que tanto ama,
somente ama quem tanto cria.
E tu sendo cria, nós sendo progenitores,
diz-me lá: há alguém que mais te sorria?

Hás-de ver as rugas a surgir
na cara de quem te viu trepar com elas,
e os teus desenhitos do hoje amanhã outrora
para sempre serão tingidos com gotas de aguarelas.

Não pares de pintar o mundo que teu é,
esse mundo inconformado, que anseia
por mais pequeninas igual a ti.
Nem pares essa tua hostilidade de carinhos,
de aventuras, progressos e epopeias,
para com a família que da eternidade acena e te sorri.

«jd»

terça-feira, 18 de junho de 2013

Estéril Apaixonado

Não sei como nem onde,
não conheço a razão,
nem tão pouco o espanto.
Só sei que há sempre
um pasmo de admiração,
quando da mesma ferida me levanto.

Souberam os ventos
a fortuna que pude ter-te sido.
Mas o amor que te tinha zarpou,
forçando-me a ser-te mais um vencido.

Já nem sei ao que se referem
quando me alcunham
de estéril apaixonado.
Perdi o conceito algures.
Agora não sei dele.
Sei que já estive apaixonado,
danado, por alguém ou por algo.

«jd»

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Vi O Tanto Que O Ver Me Pudesse

Uma vez feliz,
uma vez desse lado.
Ledo por estar
desse lado, tão alado
a ti, que me sorris,
adentro do pulso do teu ar.

Estive na tua fortaleza,
concebia-a transfigurada
em sonhos, sonhos dormentes.
Estive na casa que é tua,
e tu disso tão amargurada,
pelo agir nosso de serpentes.

Dormias na fortaleza,
como se não fosse
cenário bélico de amor.
Via-te descansar,
encostada à granada de mão
nesse teu sossego sem pavor.

De ti, de ti eu demais vi
o tanto que o ver me pudesse,
e vim-me embora amor,
embora não eu quisesse.

«jd»

terça-feira, 11 de junho de 2013

Chove Chora Chuva

Chuva que cais,
chuva que derrubas:
continua a cair.
Tens o dom de não fazer disfarçar
quem abdicou de quer sorrir;
por isso cai,
derruba a paz,
faz de lágrima na cara de quem sorriu,
mas já não mais o faz,
neste mar, neste rio.

Chuva, chora agora, e cai.
Derruba, cai, empurra.
Precipita os amores pseudo-perfeitos
e todos os prefeitos
administradores de corações desfeitos.
Cai sobre eles.
Ilustra-os. Arregaça as mangas de quem casaco não tem.
Molha o que tens a molhar e o que não tens para molhar.
Molha, mas não nunca te deixes molhar,
minha chuva que molha,
minha chuva que cai,
minha chuva que derruba.

Chuva minha: guardei-te um beijo.
Um dia devolvo-to.

«jd»

domingo, 2 de junho de 2013

Sou Sou-te

Olho-te, não te vejo.
Olho-te num símbolo de beijo,
encriptado estou, encoberto eu,
num código de mil fontes tão seu,
sem fontes vivas sequer,
por cores vivas que nem ver.

Soubesse eu o que desejo ver,
ensinasse-me o amor sem me aprender.
Sei de coisas que a paixão não ensina,
infiro carinhos e caminhos de ravina;
prefiro e profiro que se tão teu eu sou,
veja-se o eu, quem o cupido amansou.

O teatro à porta aberta,
é romance de traição, é coisa certa.
Sou. Sou-te. Sou toda a dádiva que te sobre,
sou-te morto, viúvo, sou-te impávido pobre.
Nulo sou-te; sou-te sola gasta, tempo perdido
numa esperança que não basta de tão fumo ardido.

«jd»

terça-feira, 28 de maio de 2013

Querido Diário

Querido diário,

            Ontem sonhei que estava a adormecer, ou adormeci a sonhar que estava a sonhar com algo bom. Não sei se era algo bom. Quando se sonha não se tem a perceção do bom ou do mau. Quer dizer, eu não tenho. Tu sabes que eu não tenho.

            Tu sabes que eu sempre tive a premissa de nunca querer criar nada do novo. Sempre tive a premissa de nunca querer criar nada do velho. Há muito tempo cheguei à conclusão que se crio, sou herói, se desfaço, herói sou.
            Também há muito tempo que se vangloriam os homens não pela competência, mas pela desvirtude que aplicam a cada gesto. Todo o homem que acaricia o seu trabalho termina refém e reformado na sua própria condição de vida.

            Eu sei que lhe disse que a amava só para não dizer que a amo. Disse o que sentia só para não dizer o que sinto. Falei-lhe no passado apenas com medo de referir o futuro. Palavras são vãs e inglórias. O dom de amar descompromete-se do ato de dedução. Falar e falar e falar.
Falar é falar, só falar. Sabes muito bem o que eu penso sobre o falar. Falar é comprometer-se a falar sempre. Quando falas avanças na frente a casa de trás, mas de forma inerte, estática e anagógica. Quando falas os teus olhos silenciam-se, a alma prende-se, a justiça falece. Não há justiça se és mulher; não há batalha ganha se fores homem. O homem não ganha batalhas, apenas finge que as ganha. A mulher não é justa, finta - finta só com os argumentos que tem.

          Querido diário, tenho-te na esperança de que sejas uma criança que nasce monótona quando carece de afeto, ou um jovem que não vinga sem paixão; de outra forma seria implacável explicar-te os meus sentimentos.
          Se um dia procurares alguém como eu passo a vida a procurar, entenderás a extrema habilidade que terás de ter para não derreteres o amor que tens à outra pessoa. Se fores homem, vais vangloriar-te de teres escolhido uma boa mulher. Se fores mulher, vais aclamar que o teu ego só é grande porque foste escolhida por um grande homem. Por isso te tenho na conta que sejas uma criança sem sexo e sem idade. A criança tem o amor sem patologias, sem adereços, sem virtudes e sem complicações. A criança vive o amor melhor que o homem ou que a mulher, porque a criança tem no amor a bela vida inteira ao seu pleno dispor.

         Eu gostava que fosses uma criança, mas se não fores, promete-me que vais ser.

Teu, João

sábado, 25 de maio de 2013

Maio da Sobrepaixão

O céu triste e eu triste com ele.
O mar lotado de sal e eu salgado de mal com ele.
Cada um trata de si, o ele trata do dele.
Homens perdidos, gigantes e abastados ao frio.
O frio comanda os homens que se mandam ao rio.
A lua sorri ao único homem que se note pobre,
entristece todo qualquer homem que se sobre.
As estrelas contam-se pelo início da mão:
são folhas do diário da minha sobrepaixão.
Porque nos finais de maio
todo o homem é imortal,
porque recorda com carinho a noite da areia
e o céu empastado com flores de cristal.
Vaga noite, com quase sem memória,
tabaco de lado, só grãos de bebida aleatória.
O dia - melhor: a noite - mais carnal de que tenho recordação,
já não é mais do que um mero baú escondido no véu da razão.
Juro não lembrar para jurar não chorar.
Juro quebrar toda a reminiscência do teu atiçar.
Olhar que mata é o ver da mulher,
e se mulher não és, não há como me ter sequer.
Ninguém aprende com os erros
sem os voltar a reviver.
Mas sendo eu um mero mau dissimulado poeta,
vivo-os uma vez apenas para só logo escrever.
Maio. Maio. Maio, maio,
que eu nunca vi tal:
tens o maior tão mau perder,
porque jamais baixas os braços,
sem me apanhares a esvaecer.

«jd»

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Eu Tão Delido

Galguei o cruzamento da mágoa
sem nunca, sem olhar para trás.
Transporei o beco do luto,
e de longe, Amor, de longe me acenarás.

A cidade lúrida e animal,
chora caída pela noite adentro.
Ferve, serve lúcida e consciente,
refazendo coração meu que esventro.

Ás vezes as ruas permitem-se a cair,
até os lampiões, as papoilas e os passeios.
Vida citadina é como vida de enamorado:
cartas de amor; paixão nos correios.

A rotunda - losanja como sempre -
vê-me passar ao sabor do meu labor.
Tanto trabalho para uma cidade tão só e vã,
e eu estranho, boémio e delido em amor.

Embarco no lar já no declínio do dia
e reparo que vendi as nossas fotografias.
No núcleo do tabaco, inundo-me em pensamentos:
"o haverá da vida sem estas fracas e vis filosofias?"

Insisto na doutrina de deixar os dias cavalgar
sem-lhes interferir tão pouco que chegue.
Quando o teu sol se põe para lá da serra,
a noite entra sem pedir, como quem me persegue.

«jd»

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Cavaleiro Com Malária

            A decisão surge do nada, imerge da ponta de espontaneidade que resta no corpo morto. Não me levanto, mas sei que todos falam de mim. A doença alastra-se pela parte física do meu ser. Malária é nome de apaixonado, é nome de amor. É a febre que mata, é cansaço disfarçado com náuseas agudas. É amor com sintomas mortais. E haverá algo mais mortal que o amor? Das dores de cabeça aos tremores vêm ilusões acompanhadas de desilusões. Picos de temperatura abrupta que se confunde na transpiração empalidecida, quando o amor choca na saudade; nessa esquina esquecida, lembrada sempre no armazém da memória.
            E o amor, disfarçado em termómetro, cavalga e ludibria por dentro da estrada que nos separa. Amor, beija o lunático que te sou. Abraça-me num gesto de poupança. Encosta-te a mim e chora como chora toda a criança. Ri de saudade perante o abismo, ri da saudade que é filha do eufemismo.
           Sinto as nuvens acima da escadaria e a mancha de alegria corrimão abaixo da pradaria. Um protótipo de alegria mórbida de tão pobre que é. Um protótipo. Vejo tudo de novo: vezes e vezes e vezes, até decorar os traços de pele que me arde pela malária.
           É um vírus pobre porque se alimenta de quem pobre é. Nada tenho para te oferecer. O que rasgas, o que fazes por vanescer, é o pouco do homem que já de si é tão morto. Esta dor louca de músculo - se for de músculo, que seja somente do coração - deixa-me tão exausto e tão perdidamente vivo que, de tão vivo de dor eu estou, só anseio pela pausa intemporal. Por outro lado, a dor de cabeça converte-se em distúrbios na visão - oxalá eu as tivesse tido quando te vi pela primeira vez - e numa vertigem linda e popular que só vontade dá de parecer, num momento de saudade no cimo de uma ponte romana.
          Se a morte me for convocada, há-de-me valer o combate e a pena, porque a mágoa de não te ter é algo que não me serena.
«jd»

segunda-feira, 13 de maio de 2013

O Melro Que Piava Baixinho

            Vamos fazer amor com palavras. Aposto que nisso vamos ser sempre virgens, vai ser sempre como se fosse a nossa primeira vez. Se algum dia te amar mais do que te amo, prometo que só te darei palavras e só vou esperar palavras. Palavras e gestos. O contacto é prescindível quando duas almas se tocam.
            A história que eu anuncio, esta bagagem que eu carrego, é a fábula de um pequeno bando de pássaros aos quais me entrego. Carrego a história que me sou, as aventuras do aleatório, os sorrisos roubados e as lágrimas em tom provocatório.
            Notória é a forma como te escrevo, como me entrego a cada palavra que te destino. Recíproco é o encontro casual, mas pontual, que desde a idade da sombra temos vivido no repentino. Nesse romance à luz das velas, que é paciente e balançado, jantamos na fogueira que o amor incendiou. Se algum dia a cera verter, será para que candelabros noutra mesa, sublimes e predestinados, se acendam no que Deus engabelou.
            Nós - e mais uns quantos - exímios na ilusão, confundimos a verdade em que nos banhamos, com a frota de espadas que nos atiçam o coração. Enganámo-nos com promessas vãs e com discursos vagos. Gritamos o amor como conversam dois gagos. Saímos do percurso que juramos progredir juntos, mas fugimos separados como um governante escapa dos assuntos. Quando foi que ficamos tão demagógicos? Quando é que nos tornamos tão fúteis um para o outro?
           
Ontem ouvi um melro a cantar à janela do meu vizinho.
           Era como nós: piava baixinho.

«jd»

sábado, 4 de maio de 2013

Filme Mudo

         A verdade incomensurável é tão límpida e transparente quanto o amor que te tenho. É tão longa quanto a ternura que me prendes, tão viva como a saudade que se me esbraseia. Tão vasta quanto a largura dos oceanos em que banho a corrente metálica que te liga a mim.
         Essa corrente de espuma suave e delgada na qual antecedo a minha morte. A morte do artista. A morte da personagem que represento, a dádiva que é viver uma vida sem a chance de te achegar.
         A verdade é a morte. A verdade é a fuga da qual fujo. Eternamente fujo - da morte e da verdade que isso representa.
         A vida é pacata como um veludo de entranhas macias; a vida é um sopro de aventuras imaginadas e não-praticadas. A vida é uma rajada de vento, uma película, um filme mudo.
         A morte é o tormento, é o homem vestido e tão completamente desnudo. O cavalgar inexorável do tempo, que não trespassa por nós - é o meu discurso de vítimização.
         A vida, de tanto tempo gasto, é uma anomalia a que me prendo - a que melancolicamente me acorrento. É uma corda, uma forca sem força, na orla.
         Anseio regressar ao estado embrionário do qual provim, transpiro pela vontade desumana de respirar pelo pouco do que o pré-eu era. Antes de existir não te amava. E se existo para te amar, que não exista - que volte a ser um embrião sem escrúpulos. Adoento-me pela tua intolerabilidade - morro até.
         Morro só, sozinho e único em mim. Morro para ti e para toda a existência, por seres e representares tudo o que tenho, e o que não tenho. Acima de mim só há céu, abaixo de mim só estás tu. E eu, tonto, entre a salvação em que me quero e o abismo em que me desejas. Má, suja, má. Pior, és esquecida em mim.
         Má e esquecida.

«jd»

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Reticências

Estou preparado para o que aí vem,
a epidemia de calor desmesurado.
Já nem tenho as vertigens que tinha,
já só tenho as borboletas a bailar sob o dourado.

Isto não é amor, isto são reticências;
isto não é amor, isto é paródia.
As nossas vidas numa corda suspensa
foram dois laços sem grande história.

Por mim, nada disto se faz verdade,
mas eu continuo a chorar de saudade.
Podem dizer que sou um sonhador,
mas eu só escrevo sobre a minha dor.

O poeta é como a andorinha invisível:
esforça-se por voar o mais alto possível
para que possa desfrutar do voo a pique,
por não ter com quem se identifique.

«jd»

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Intervalo Merencório

Porque me pedes para dançar
se sabes que sou a parte mecânica?
Sou a engrenagem que move os passos

na balada, ao sabor do vapor da orla satânica.

Atentas à dilatação do tempo,
aterrorizando tudo que por ele vive.

Sempre foste jovem enquanto eras nova,
agora és o velho aparte do agigantado declive.

Para todo um fim há enumeras
ramificações de novos inícios.

Experimenta ver o abismo como
um próprio atentado aos teus precipícios.

Se a melancolia anulasse alguém,
eu seria o próximo candidato ao purgatório.
Mas como a nostalgia ainda não mata,
fico com esta paixão de intervalo merencório.

«jd»

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Seda Sedeada

Durmo com os medos que qualquer amante tem:
depreendo que durmo pouco por esse motivo.
Ressono alto para não me ouvir a pensar;
pensar é a celebração dum coração auto-destrutivo.

Acordo à janela, preso ao vento estagnado,
preso fico às memórias dum doente que não lembra.
Nesse alzheimer encontro enumeras respostas
que a ventania me assiste e desmembra.

No lampião desativado vejo um fumo surgir,
fumo que atrapalha o dom de quem bem vê.
Queima a óleo - pena que não queime ao sofrimento -
de quem nunca te encontra e de quem nunca te lê.

Amor meu, meu foste. Foste meu amor, tudo.
Foste amor, meu tudo, e aceleraste meu amor, nada.
Rápido e silencioso como um véu penetrante,
que esconde as intenções da seda sedeada.

«jd»

terça-feira, 16 de abril de 2013

Extraviar o Apaixonar

Estaria bem estacionado a mentir
pelos cantos castanhos do planeta.
Faria com que o Cem ficasse de partir,
para uma terra longe da minha caneta.

O coração bombeia a essa velocidade,
ganhando a corrida ao cérebro desajuizado,
porque a razão perde sempre na partida da saudade
por olhar para trás e ver o historial quebrado.

Queria a casa que é tua, a mansão,
queria o ninho que é nosso por direito.
Chorava e rogava por uma palavra de compreensão,
pelo queixo no ombro e pela mão no peito.

A pornografia que é viver tornou-se pesada;
Na inércia foi difícil de digerir os conflitos
- eu nunca fui de apostar na ação inativada -
por isso liguei-me ao mundo dos poetas constritos.

Outrora quando éramos mestres da noite e da lua
vivíamos em terras desligadas por gravidades e mares,
eu estendido na minha praia e tu na areia que era tua
e dizias-me ao paladar do vento: "começa sempre como acabares".

Amor, eu comecei como terminei
e jurei isso nunca mais começar,
porque depois do que planeei
acabei por extraviar o teu apaixonar.

Vai saltando para as minhas costas,
enquanto tiver mundos novos para te mostrar.
Quando o tu-criança surgir nas apostas,
esconde a versão-mulher porque pode perturbar.

Nunca quis nada senão partilhar a mesma margem,
mas vivia na brisa sombra da tua escuridão.
Trato a metamorfose com o respeito pela sua imagem:
"Longe da vista, longe do coração".

«jd»

domingo, 14 de abril de 2013

Passagem de Nível

            Hoje entrei novamente na espiral de ascensão. Entrei e paguei bilhete. Entrei e corri por ali fora. Estou, assumidamente, no mesmíssimo ponto áureo em que estava quando me decidi fazer nascer. Estou no pináculo da aventura, no cume da temperatura brava, no topo a que me propus estar. Estou - não por estar - mas por residir.
            Aterrei no pós-infelicidade. Desembarquei no pré-felicidade. Estou na passagem de nível entre os dois pontos dispensados de horizonte. Estou tão perto de regressar ao ponto efémero de onde vim - ao qual muitos heróis chamam de abismo - como de alcançar, depois de suar (depois de muito suar, como um valente porco) a extremidade à qual sempre me propus.
            Indubitavelmente aviso e atento a todos que é tão mais fácil voltar as costas ao desafio, que vencer e lutar por desafiá-lo. Não o nego. Nem por sombras o nego. Não ouso profaná-lo. Porém, como até a mim me convenço, é um passo a seguir. É uma atitude a ter. Vencer a distância que me separa do pináculo de felicidade é tornar-me um vencedor acérrimo. E nada se faz sem persistência, nem o louco, nem o descuidado.
             A persistência é a chave, é o código. Eu persisti em auto-difamar o meu estado de embriaguez. Esmurrá-lo, enviá-lo ao caralho da má educação. Eu desisti de ser um constante de coma, uma linha inalterada de nostalgia. Desisti de ser essa merda toda. A felicidade não toma conta de mim, porque eu não deixo! Eu deixo - e ela há-de-me deixar também - que eu tome conta dela. Possui-la. Tê-la como substância, como matéria. Como dois euros de quarenta e cinco gramas no meu porta-moedas, no meu porta-merdas. Eu porto-me como um porta-merdas, com medo de carregar gramas de felicidade. Sempre portei. Não mais.
            Se passei a semana a divagar emerso em melancolia, contagiando toda a gente com o berço da minha harmonia doentia, foi por saber que seria sol de pouca dura. Obriguei-os a testemunharem a meu favor, todo o labor do qual fui vitima. Vitimizo-me, sim. Fui vítima de mim mesmo. Não contesto, não peço recurso. Forcei toda a gente a compactuar com o meu estado de demência para que reconhecessem o estado de mudança. E hoje foi o dia de mudança.
           As ações voltaram a valorizar em Bolsa. Estou no pós-infelicidade. Estou no ante-felicidade. Estou no ante-satisfação e estou à saída do apeadeiro do infortúnio. E mereço. Sou digno deste belíssimo impasse entre escolher a estrada da vida e a ruela da misantropia.
           E só eu posso eleger a predileta. São esperados os resultados das negociações. O acordo de concertação poderá estar para breve. Prognósticos só no fim do jogo.

«jd»

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Soslaio

                Hoje quase que me vim por te ver de rasgão. Cavalgaste o portão da entrada com o soslaio de quem não quer ser vista. Sempre foste sorrateira, uma ótima malandra. O Inverno viu-te passar e nem um bilhete lhe deixaste. Nunca gostaste de despedidas. Fugias-me sempre ao último e derradeiro beijo, como quem tem a garantia do amanhã. Falavas como se me tivesses na mão e, contra factos não há argumentos, tinhas-me.
                Tinhas-me onde me querias ter. Querias-me ter contigo para sempre e eu fiquei contigo para sempre. Até morrer de velhice a meio de um orgasmo. Até não suportar mais. Não entendeste uma única palavra do que disse quando te falei de amor. Falei-te de amor com tom de paixão, mas nem assim te serviu. Sempre deambulaste na tua vida como se de um mar se tratasse. Onda sobre onda, pesadelo sobre pesadelo. "A coisa passa", dizias tu.
                Agora obrigas-me a viver este pesadelo e forças-me a ficar nesta loucura oprimida. Eu nunca fui assim. Aliás, gero conflitos comigo mesmo se fico na passiva. Nunca fui de ter esperanças; inércia não é para mim. Gosto de agir, para o bem ou para o mal, porque da ação há-de surgir sempre alguma coisa. Só as pessoas com muita sorte é que podem confiar na esperança. Quem não tem sorte precisa de trabalhá-la, como qualquer um da classe operária.
                Eu sempre fui ferreiro e pensava em ti. Trabalhava na bigorna dia e noite e pensava em ti. E dia e noite, pensava em ti. Acordava, estropiava o despertador e pensava em ti. Adormecia, consertava o despertador e pensava em ti. Dia e noite pensava em ti. Foram dois trezentos e sessenta e cinco dias sempre, sempre a planear o insaneável. Cogitava momentos a sós, momentos incensuráveis de sexo imparável - a pensar em ti.
                O meu trabalho era simples. Em primeiro lugar, o ferro carecia de aquecido até ficar num vermelho brilhantina, por isso punha-o na forja que eu mantinha quente graças ao fole que operava com o suor da minha mão. Depois já podia dar forma e soldar o que tinha a soldar. Tentei soldar a paixão aquecida, mas tu teimaste e não desististe enquanto não lhe lançaste água. Nunca chegou a ser vermelha, exceto quando a pintaste - e mal pintado, já agora, se me permites. Nunca formei nada enquanto te amei e nunca hei-de formar nada enquanto te amar. És o diabo em mulher.

                Estou constipado de amor. Tudo o que me parecem ser soluções, são soluções tão convincentes, viáveis e sóbrias como comer cócó. E comer cócó é uma merda autêntica. Por isso estou entupido de amor. E nada de bom há-de sair enquanto permanecer nesta inação, nesta apatia. Preciso que continues a dar-me com os pés, para toda a eternidade. Quando eu morrer de velhice, prometes que no último instante, no remate final, no meu derradeiro sopro de vida, me dás mais um estalo?

«jd»

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Oitavo Mês

              Cada carro mal estacionado é sinal de uma fraca predominação. Cada lareira, cada incêndio. Cada um deles é vestígio de que me vou aventurar por campos inimagináveis. Cada um não pior que um sim?
              Queria o café da madrugada, a dentada da Primavera. Longe das mentiras, encontrei um amor vago, mas explosivo. Atómico, desde o Agosto de há uns tempos. Nesses dias chorei por caprichos meus. Hoje derramo óleos salgados por pelas teimosias tuas.
              Dei por mim na etapa onde estava nesse mês de Verão. A derradeira etapa. A montanha que nunca tive ousadia para escalar, porque estimava suar como um tolo numa sauna. Nesse calor do qual fujo, jamais encontrei um refúgio. Nunca se me proporcionou um ombro para desabafar a virtude da paixão que te tenho. Nem hoje.
             Hoje será a hora em que virarei a palmeira? De tão íngreme que é, tenho medo que me faltem as forças. Sou animal de pequeno porte, quem quero enganar? Não quero enganar ninguém, nem o cúpido atraiçoo, porque não sou de vinganças. Ele deitou sobre mim um mal olhado. Apaixonou-me pela ninfa que colmato desde esse oitavo mês diabólico, mas não lhe desejo a mesma maldade que ele a mim. Inimigo, livra-te desse enfardo.
             É um dardo num atentado. É o que vivo: um atentado à pontaria. É um grave delito contra a minha soberania. Estou apaixonado pela fraqueza que me sou. É dessa paixão que vivo, a paixão oculta de Agosto. A paixão da maré, do piano submarino do amor, da cauda da areia. A paixão que nos deita, excitados, embriagados, na frieza dos braços um do outro. Na areia.
            Indaga sobre isto que me escrevi, porque é a minha timidez numa carta de amor para ti.

«jd»

domingo, 31 de março de 2013

Loucura Que Se Me Berra

O teclado da vida
desperta do sonho.
As luzes da minha vila
dizem que tudo é medonho.

No horizonte vejo a hora a adiantar-se,
como uma hora sazonal perdida na terra.
A passada larga do Inverno induz
que esta paixão é loucura que se me berra.

Vejo-te dançar nos meus olhos
à distância dos meus braços,
confundindo a dinastia e dimensão
que te separa dos meus espaços.

Onde acabaram os projetos,
começaram as revelações.
Quando terminaram as iniciativas,
inauguraram-se as repercussões.

Eu não sabia o que se nos esperava
até atentar aos futuros que nos separavam,
porque nunca fui de arriscar o afeto da amizade
em prol de bens que certamente nos abalroavam.

Então vivo nesse tão meu medo profundo
de calcar erroneamente uma calçada sinuosa.
Não vou disparar a arma de fogo ao ar, sob o risco
de destruir o oxigénio de uma amizade tão primorosa.

«jd»

terça-feira, 26 de março de 2013

Manifesto Sobre os Vermes

                 Vermes por todo o lado. Vermes sedentos de fome e repletos de nojo. De nojo, de repugna! Vermes sem história, sem vida. Vermes que se aproveitam de seres maiores. Parasitas numa pirâmide onde poucos ascendem o topo. E é desses seres de grande porte - que ascenderam o topo - que esses asnos, esses bichos sem nada, se aproveitam. Tiram vantagem da sua ingenuidade, dos seus sentimentos, do seu passado. Recolhem as lembranças, os precipícios e as falhas.
                 Sugam tudo até à exaustão. E das duas uma: ou os seres maiores se manifestam, contestando a desordem que esses roedores minúsculos lhes afligem; ou então deixam-se corromper, caem na amargura, na raiva e na sede vingança - tudo habilidades desses Drs. Eng. cabrões malditos. Mas eu sempre aconselhei a quem pertence ao topo que desse cume não deve abdicar. Se é, de facto, um animal de grande porte, não se deve submeter a ser um verme como outrem. Deve manter a postura contínua, a bravura de sempre. Não deve equiparar-se a esses minúsculos que só estão bem a lavrar boatos, a arar histórias e a cultivar balelas.
                 Eu descobri - em pouco às minhas custas - que na vida não há problema nenhum em nada, porque esses paneleiros, como vermes que são, como sanguessugas que são, como vampiros autênticos que são, não têm credibilidade absolutamente nenhuma. Perdem o prestígio ao tentar denegrir o prestígio dos outros. Se ousassem deixar de ser vermes aperceberiam-se da tristeza em que mergulharam, da tristeza que é tentar submeter os outros à tristeza - e não conseguir.
                 Como tal eu digo-te meu amigo: não deixes o topo em que te abancaste. Mantém-te nessa poltrona que te abençoa, nessa cadeira almofadada da qual nunca cairás, desse felizardo posto que te apadrinhou como cria perdida. Cresce e sê a fera indomável que toda a restante cadeia alimentar receia de morte; não pelo ato da temeridade, mas pelo ato do intocável, do imune. Sê isento, camuflado dessas barbaridades que te apregoam esses pequenitos, esses fracos fracassados. Dilata a fé do teu ânus, o peido supremo do animal feroz que és sobre todos os que te aborrecem.
                 Já bem, bem no topo, aplica-te e sê feliz.

domingo, 24 de março de 2013

Mimosear

Do velho amigo eclodiu um amor novato
como um vulcão que explode para a vida.
A impetuosidade, a cinza e o magma
dão lugar à apaixonada lava desenvolvida.

Uma vasta injeção de adrenalina
correu duma ponta à extremidade,
fugiu da origem, dissimulou a idade.
Escondeu o seu tempo de vida na colina,
para que ficasse de rosto virado para a cidade,
onde nasceu o seu amor e brotou a amizade.

Essa metonímia de companheirismo
é o toque quente e fervido de uma relação,
que mesmo sendo prendada de irreverência,
nunca descura do mimosear do coração.

«jd»


sexta-feira, 22 de março de 2013

Desopressão

Relaxado e num extasiado momento,
só e deitado estou no corpete de vento.
Deambulo olhando o céu através da objetiva,
afastando o véu por não querer que atrapalhe
esta paz que tanto me desoprime e cativa.

Começo a entender a arte do repelir:
aparto de mim todos os enigmas
e subtraio as demais complicações.
Induzo sobre o que seria a minha vida,
- na ausência e lábia abstinência -
deste tipo de monstruosas aberrações.

Percebi que a vida são dois segundos de mágoa,
com três vidas de festas e solenidades.
Não deixarei que os problemas me possuam,
- vivendo com a mesma notável paixão - 
todas as flores azuis das minhas idades.

A flor azul significa sonho, utopia, mistério e infinito.
Tudo isso é inteira e perfeitamente Hakuna Matata:
a filosofia da desanexação de uma vida problemática,
que nos penetra o coração, corrói a alma e nos mata.

«jd»

domingo, 17 de março de 2013

Canto Superior Direito


Beijar-te-ia se não premisses
o canto superior direito
da nossa inquietação.
Beijar-te-ia como abelha beija a pétala
da aventura cor de mel de ouro,
em virtude da nossa pseudo-paixão.

Mas afogado estou na mágoa
dos descobrimentos falhados.
Julgo não saber que trilho seguir
tendo meus sentimentos petrificados.

Senhorita és-me diferente de todas as outras,
mas sou poeta e acredito no que me contas.
Não coube em mim de fracas suspeições,
deixei-me encantar pela maré das tuas feições.

Agora o instrumento canta alto:
"tempos íngremes se achegam",
e eu fico para aqui a ruminar
os pêsames que não sossegam.

«jd»

sexta-feira, 15 de março de 2013

Cancro Psicológico

Não voltes a sonhar comigo,
não retribuas os bilhetes e as cartas.
A dor física é uma criação mental,
é o cancro psicológico,
é o tumor do sobrenatural.

A que forças preciso de me obrigar?
Chora sem silêncios e com suspiros,
na lentidão da noite de Sábado
- no teu quadrado curvado.
E até que amanheça, oxalá Deus se esqueça.

Estou no período pornográfico
do pós queima de fotografias,
na clara eminência e antecedência
da vinda de novas filosofias.
Porque os meus modos mudaram quem eu sou,
como sou, porque sou e com quem me dou.

O ritual, de ser constante e cíclico,
nada mais é que uma rotina maçadora.
Deambulo pela cidade azul e cinzenta,
por ter fama de boa acreditadora.
Nas folhas pardas e secas acho beatas embebidas,
que foram assediadas pela vida e pelas suas perdidas.

A nortenha cidade pardacenta,
de tanto me ter não interfere.
Aconselha sem ver nem saber
sobre o amor e desamor
(que mistura e condimenta)
pelo qual meu coração se fere.

«jd»

quinta-feira, 14 de março de 2013

Encaixilhar


Se eu arrumasse o mundo,
mandava encaixilhar as recordações
e empilhava eu mesmo todas as emoções.

Começava por fazer arrumações na cave,
onde os medos embriagados planeiam a evasão,
conduzindo o rio do sobrenatural à foz da desilusão.

Na sala de estar deixava a lareira da memória acesa,
para que viva para nos aquecer este presente formidável,
iluminando os retratos atestados do carimbo apaixonável.

Aspirava o quarto, vezes e vezes e vezes sem conta,
para que a todo o momento a montanha fosse o momento,
para que a todo o momento tu me achasses o alimento.

O sentimento não quer garagem,
não quer alpendre, telhado ou teto.
Continuará a ser paixão de fascínio
enquanto perdurar a verdade e o afeto.

«jd»

Cofre do Caos

Tenho de arrumar a casa. Tenho de arrumar o que está desarrumado. Tenho de arrumar, porque está desarrumado. A casa está desarrumada porque tudo ficou ao acaso. E ficou tudo ao acaso porque nada acontece ao acaso. Nada acontece por motivo nenhum. Tudo acontece por motivo algum. E que motivo?

O que me motiva é saber que está tudo um caos, para que tudo seja arrumado. O que me encanta é saber que tudo está uma desordem para que eu possa ver-me livre de tempo para pensar sequer. Porque se tudo está um caos, se tudo está confinado a estar uma confusão, é para eu possa restabelecer a ordem. E não preciso de horas nem minutos para pensar, preciso de tempo só para agir. É no agir que tudo deixa de ser o fim da macacada. E é no agir, de forma soberba e esplendorosa, que vou investir.

É nesse agir que vou investir. Vou entrar com forma, composto, com atitude e sem rodeios, atacando a doença. Vou transmutar as incertezas, vou investir sem pensar. Agir sem pensar, porque o corpo o pede e a maturidade o aconselha. A velhice trouxe clarividência e agora tudo parece ser explicável. Todas as ações, todos os pensamentos perversos, todos os olhares.

Olho por olho? Trato do meu para tratar do teu. Coração por coração? Medico do teu para curar o meu. É imperioso que salvaguardamos a História num cofre caído no Pacífico, num sitio remoto, longe e intransponível. E, porque não o queremos de novo, deixamos de lá ir.

Quando esconderes o teu cofre como eu fiz com o meu,
dar-te-ei o mundo: serás a nova Julieta e eu o teu Romeu.

«jd»

domingo, 10 de março de 2013

Cozinha-me

             Se me queres comer, come. Mas não me comas da forma ordinária e comum com que toda a gente come toda outra gente. Tempera, abusa do balcão, excita a cozinha, também o fogão. Cozinha-me. Salga-me para que te possa adoçar a boca. Torna-me o homem que procuras, molda-me ao teu paladar, ao teu coração - se quiseres. E depois? Depois sim, depois podes comer-me. Trinca, saliva, degusta e engole - come com todo o descompromisso que é uma refeição apaixonada.

             E sai-me da cabeça. Sai daqui. Sai para longe e não mais voltes. Não voltes nunca mais, mas fica, fica comigo. Fica comigo e sai, sai só dessa vida que levavas, porque levavas uma vida em que a última refeição nunca era esquecida. Se queres ter-me como refeição, tens de esquecer o último piquenique. Se me queres comer, não podes pensar no último prato, no último almoço, na última paragem na auto-estrada. Se me queres comer, come - mas não penses na carne já digerida. Porque amor, meu amor, se queres jantar comigo - ou até jantar de mim mesmo - tens mesmo de jantar de mim, sem pensar em mais nada, em mais nenhum banquete antigo.

            Posso ser o teu café da manhã; o teu leite achocolatado que faz crescer o osso. Posso ser o sumo que escasseia ao almoço. Posso ser o vinho verde, vermelho, branco da noite - até o porto que te prepara a almofada. Porque amor, meu amor, sem esse copinho, não há sonhos. Não há sonhos para ninguém. Por isso, meu amor, bebe-me. Sonha de mim.

            Consigo ser o pão-nobre que acompanha o teu café, a bolacha Maria que vive para te encher o estômago cardíaco. Consigo ser-te a maçã sem te ser Adão. Não sou teu Adão, sou-te só um fascinante poeta. Tens um leque de opções, mas escolhe-me. E depois de me fixares à tua ementa, já me tens. Porque não outro poderá sê-lo (agora) com a bravura com que eu te sou. Porque só eu me dou a comer (agora). E se, porventura beberes um porto, come-me com ele - de empurrão, de penalti. Agora.

           Se me queres comer, come (agora). Come porque te fujo se não comeres. Come porque te sou alimento. Sou o que de mais vitaminico arranjas. E aconselho: evita a anemia, a anorexia: come-me! Come ao sol, à lua: na prisão ou na selva. Come onde quiseres. Come como quiseres. Come quando qui...

           Come. Ninguém ter de ver. Mas amor, meu doce amor, não sejas trapalhona, cozinha-me.

«jd»

sábado, 9 de março de 2013

Íman Veraz

Mentiroso já, mais vezes que as que me lembro.
Saltei vedações já, vezes a mais que as recomendáveis;
Mas, como se fosse alguma vez aceitável,
nunca deixei excluído o Eu verdadeiro e amável!

Mas isso nunca deixei, e agora nédio estou.
Estou farto de jogos e de bolas de neve.
Genuinamente, hoje sou um íman de veracidades,
sou como o vento, o que galopeia pelas afinidades.

É o vento que não tem limites, que é imperecível.
É a ânsia pelo perfume, pelo odor, pelo aroma.
É a pesquisa de lar, é a procura incessante pelo paladar;
é a culpa que é tua, porque me outorgaste este apaixonar.

Eu fugi de ti para poder chegar-me mais perto
dos pássaros na terra do certo e dos gafanhotos no céu.
Tu e eu, com o raiar do sol e o véu, debaixo da laranjeira
fazemos amor, em equações literárias presas à bagageira.

E sonhamos com o beijo, com o piano a escorrer em nós.
Idealizamos o livro onde a história por uma voz ficará inscrita.
Sonhamos com o encontro, com o embate, com o choque,
com as emoções que provirão do nosso primeiro toque.

«jd»

quinta-feira, 7 de março de 2013

Alquimia

             Tu controlas tudo. Tu podes ter tudo e não tens que te limitar a ter meio de tudo. A vida é para ser vivida, não é para ser explicada. E tu não tens de explicar todos os teus atos. Tu tens de agir de cabeça quente em todas, todas as tuas ações. Tens de estar apaixonado por ser espontâneo e tens de ser espontâneo quando estás apaixonado. Tudo em tudo, cem em cem (sem o sem) são fases da vida que te ajudam a construíres-te. Se não há culpa nisso, em nada há culpa.
             Não te sintas sozinho, porque tu és um íman de pessoas; não te sintas inseguro, porque tu és o balão de oxigénio de muitas outras; não tenhas medo, porque existe uma máxima imperiosa: tens de ser feliz, "dentro de uma política do custe o que custar".

             Gostas de controlar tudo? Ter o controlo debaixo do teu olho, tê-lo debaixo do teu sexo, da tua virtude, tê-lo debaixo de ti? Porque não o ter? Porque não? É tempo de arriscar, porque lembra-te, tu tens o controlo. O controlo. Tens de querer experimentar um futuro, tens de querer ser a pessoa que procuras ser, tens de procurar ser essa pessoa que queres ser, aliado à pessoa que contigo procuras ter. E ás vezes é tão imensamente complicado, é. É mesmo. Porque há tantos doces a aproximar as pessoas umas das outras, quanto amargos a distanciar-nos. Por isso é que usualmente nos apegamos à fatia benigna dos apaixonáveis. Porque - tal como a palavra sugere - são apaixonáveis; e a mente esquematiza-nos a função secreta: não vale a pena ver mais nada, é tudo fascinante.

             E se tudo é fascinante, se tudo é do mundo do incrível, proponho-te que abraces esse mundo encantado. Dá um linguado, tira-lhe a roupa, completa o assédio que deixaste a meio da outra vez. Boceja-lhe o pescoço, trinca-lhe o cabelo, suga-lhe a última lágrima para que não hajam mais, mastiga o sabor das pálpebras com um beijo interminável no olho esquerdo, apalpa-lhe no meio da...
             Compra-lhe uma aliança para deitares fora. Sorri-lhe depois disso. O compromisso está na tua cabeça, não está enjaulado numa mão. Morte aos casamentos modernos, vida longa ao matrimónio ateu! Casa todos os dias, apanha a chuva toda com o guarda do sol, foge sem dares à sola, incita sem provocares. Estuda e escapa da escola. Fascina-te.

             Este pensamento é para as pessoas que já vimos nuas sem nunca a termos visto sequer. Porque a nudeza é só um estado de comunicação, é um estado que vai da alquimia à química-moderna, é um lar ao qual se pode sempre regressar.

«jd»
Dedico este pedacinho de vontade
à Catarina, senhora da Tempestade.
Nunca pensei ter o atrevimento e até inauguro:
confesso que compus citando o António José Seguro.