domingo, 29 de julho de 2012

Orquestra

Livre como os pássaros depilados,
com mãos e pés transpirados.
Sou lenço branco e escuro de guerra.
Sou solto de voz e preso às recordações da terra.

Sou sonho nascido no opor à foz.
Sou sentimento, ternura no retorno da voz.
A fraca voz largada na falta do timbre pardacento
implode na mistura de auras esquecidas ao relento.

Mas eles são homens e elas mulheres,
e eles são crianças.
São ovação atrás de ovação,
máximos pilares da grande criação.

Somos todos uma orquestra sintonizada na rádio da arquitetura,
somos a facilidade de infligir simplicidade numa só abreviatura.

«jd»

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Embriões

Tenho um, mil amores rasgados,
tenho dois, mil sonhos mal pensados.

A paixão e o sonho são inconstantes produtos,
embriões que provêm da mesma matéria.
Na véspera colidem-se e seduzem-se,
hoje desmaiam pela sua tamanha miséria.

Amor rasgado, se me vires um dia ao descampado,
liberta-me e aguarda com paciência por resultados.
Não sou homem nenhum se insistir em viver sem autonomia,
ou animal algum se não sentir um pedacinho de nostalgia.


Ainda não encontrei o meu posto em combate,
como hei-de eu servir os interesses da guerra?
Se deixei amores suspensos num imaginário resgate,
como me imunizo da saudade em serviço da terra?

«jd»

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Cordas

O que é amar, se não sei amar?
Onde desencaixa o coração?
Como saber o que é explodir por dentro,
sem sequer eu saber onde é o seu centro?

Questões, malditas indagações!
Bárbaras e extenuantes equações
sem repugnantes funções relativas.
Quais minúsculas indecisões nocivas?

Dou possantes voltas e voltas à corda
que suspende o meu explosivo respirar,
aguardando a ofegante e eloquente falta de ar.

Cordas que me trespassam tanto peito, como gargalo.
Amarras que não permitem qualquer abrasiva margem de fuga
por uma boémia vida vivida sem anuência a um modesto intervalo.

Mas se eu não sei sequer amar,
quem sou eu senão um enfezado túrbido?

«jd»

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Sete

Sou o cavalheiro dos tempos modernos,
fala para esconder, esconde para falar.
Acompanha novelas misteriosas
peca por querer sempre guiar.

Recomendo, emendo e entendo.
Aviso, alerto, aperto e atendo.
Sou o pai dos órfãos mal esclarecidos,
protegendo-os de serem pós-esquecidos.

Toda a gente sabe que o coração partido é preto
e que o preto é a cor do adultério secreto.
Pois se tens o coração de tom negro triste
também tu já o sentiste e traíste.

São quadras sem quintos efeitos
sextos sentidos ou setes de morte.
São rimas antiparalelas e versos suspeitos,
pedaços de face descolada dum passaporte.

Abstive-me para libertar o teu vago arbítrio, só
porque cansei a minha imaginação titã a salvar-te.
Se um dia cederes e corroborares,
prometo que passarei a amar-te.

Um dia abandono-te na temerosa selva sem te opor,
onde poderás ficar livre das malévolas manhas do amor.

«jd»

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Fugir

Há barulho nas cabeças que não pensam,
temores cerebrais nas decisões que dispensam.

Eu e tu somos vasta parte
da pesada parte daquilo que a vida nos dá
e da leveza proporção com que ela nos tira.
Somos os sonhos caídos numa encosta,
e os pesadelos inquiridos sem resposta.
Somos abatidos pela arma empunhada
ao paladar do alvo ou ao sabor da mira.

Nada sobra senão apressadamente desertar daqui,
para libertar os corações que já não mais batem.
Emagreço a paixão, florescendo pouco aqui e ali
descodificando dissabores dos amores que se partem.

Fugir é a solução aquosa,
para por delicado ponto final
à incerta paixão desprimorosa.

«jd»

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Açucaradas

Jura que me mentes sob infinitas doses,
com açucaradas mentiras amargas
nas tuas alteradas e esguias poses.
Oculta-me franzinos pecados banais,
sobre tratados de saudades tão e tais.

Cuida de falsificações prematuras
que se me valham a pena,
porque no espectro teatral
toda a bala é dramática cena.

Entrega-me a alma que eu
recolho-te as mentiras.
Dá-me de nada um pouco de tudo,
por favor dá-me, ao passo que tiras.

Jura, sem nunca me prometer,
beija-me, sem nunca me entender.
Ri-te e adormece com lágrima no remorso
deita fogo à parcialidade do corpo e do dorso.
Cheira maus sons sentidos, questiona maus bons partidos.
Amo-te, eu sem igual, sou mistura de bondoso com brutal.

«jd»; Rui Veloso e todas as suas dinastias poéticas são,
e sempre serão, uma autêntica inspiração para o João.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Nutrição

Um dia recolherei desprimorosas asas
e tão prematuramente morrerei virilmente voando.
Quiçá até um dia ganhe um par de técnica com engenho
e levantando, te morra erroneamente pintando.

Mas jamais espero um dia morrer desiludido,
pela tamanha confiança e ilusão te ter investido.

Porquanto a velha amizade é um gritar a plenos pulmões,
e os emplumes somente com efusivas astúcias ganham meus perdões.

Nutro fins sem fins, memórias tristes e ruins.
Encaixo e desencaixo a caixa bem encaixada.
Sou a consciência perdida no tempo e na ausência.
Sou o teu anjo bom, angelical e fraternal.
O meu nome é auspício da retidão imaterial.

«jd»



domingo, 8 de julho de 2012

Sinédrio

É na história que escrevo a escória
das almas livres do pavor, receio e temor
no qual se torna todo e qualquer solto amor.

E é nessa fugaz ilustração,
que rimo; sem sinal de intencional
fuga do Sinédrio tribunal em perdão.

Amo-te como manda o preceito,
amo-te, tão vernaculamente amo-te.
Escapo pela parte de dentro do vinho,
como quem foge pela parte de fora do preconceito.
Renasço da felicidade, desrespeitando o Ser perfeito.

Escuto vozes, pássaros e gruas partidas,
palavras blindadas com fervuras sobre o amanhã.
Já dei importância a más regras restauradas e assentidas
hoje mereço-te por ser o herói que te trata todas as feridas.

Desenho gargalhadas simples, entretanto molhadas
sob telas vendidas ao calor do frio na esquina do mundo.
E por todas as andantes marés jamais ou nunca senão passadas
reencontro a paixão feita refém nas penúltimas jornadas.

«jd»




domingo, 1 de julho de 2012

Expedição

Há parciais dias de fúnebre nevoeiro,
em que ninguém precisa de risos fáceis ou lentos
ou de pretensões dessumidas caídas por céus relentos.

O código moral é totalmente desfigurado
pela sagaz expressão de lábios descerrados,
ou pelas partes mais difíceis de seres mal consagrados.

A paixão ilumina caminhos que até então eu só desconheço,
planícies, vales e montanhas maiores que a minha convicção.
Todavia sou eu quem dá o pioneiro passo mais árduo,
assumindo a liderança dessa inexplanável expedição.

Essas buscas que não terminam com a morte,
dão azo a crenças ainda maiores que a da nossa existência.
Porque todos nós reclamamos por um bruto amor de excelência.

Quero ter-te adjacente a mim,
tocar-te apenas com a brutalidade do meu olhar,
abraçar-te só com a força do te presenciar,
mas no fim beijar-te só pela experiência de te degustar.

Tal coisa é para mim
o descobrir de um novo mundo.

«jd»