Ela (a perda) não nos fazia falta, mas estava lá. Estava lá bem antes de ser perda. Lá no controlo em que só nós a tínhamos. Estava sempre lá, na nossa mão, tão bem guardada, virgem, tão pomposamente virgem e só para nós. Não era perda antes de ser perda. Muitas vezes perdemos coisas só porque nos são abdicadas. Essas coisas fogem-nos porque não soubemos como aproveitá-las ao máximo. Aproveitar ao máximo uma coisa não se trata apenas de a utilizar vezes e vezes sem conta. Não. É a necessidade, o dever de saber como usá-la o melhor possível e o menor número de vezes possível, como se fosse a última vez.
Não é essa falta que nos faz reagir. Não é a saudade que deixa. Disparar cegamente para o ar não é algo que, ao comum mortal, possa deixar saudade. O facto de sabermos que a tínhamos e que já não a temos, isso sim, faz-nos reagir. Mas.
Mas é essa perda de controlo que nos faz loucos. A ausência de poder. A falta de poder que antes tínhamos e que agora já não temos. Ninguém se pode sentir mais vazio que aquele que perdeu controlo sobre algo. É essa perda de controlo que nos faz loucos.
A saudade que nos incendeia os pulmões é aquela que já não está sob a nossa alçada. Perdemos-lhe o controlo e ficamos sem ar. Vezes demais àquelas a que nos deveríamos expor. Somos, como tal, expositores da nossa própria amargura. Somos os masoquistas da nossa própria dor. Somos os intelectuais que, como qualquer outro idiota, deita tudo a perder e que depois fica com saudades. O idiota com saudades é o intelectual com saudades.
Não haverá nenhuma palavra que descreva melhor a saudade que a palavra merda. É nela que nos afogamos quando sentimos saudade. É dela que respiramos o ar sujo das nossas ações sujas. Os pensamentos sujos só surgem quando agimos com sujidade. Ficamos na merda, uma merda que faz merda. Nenhum modo de pensar nos trará o que perdemos. Por tanto pensarmos, acabamos por nos habituar a apenas pensar. Acomodamo-nos. Pensar não nos oxigena o peito. Pensar só provoca mais remorso, mais culpa e, inevitavelmente, mais e mais saudade. Merda.
É da saudade desoxigenada que vivemos, todos os dias, o remorso. O remorso de não ter feito nada de bom e de jamais fazer algo de não-mau.
Oxalá mudemos. Por nós. A saudade.
Esta saudade.
«jd»