quinta-feira, 11 de abril de 2013

Soslaio

                Hoje quase que me vim por te ver de rasgão. Cavalgaste o portão da entrada com o soslaio de quem não quer ser vista. Sempre foste sorrateira, uma ótima malandra. O Inverno viu-te passar e nem um bilhete lhe deixaste. Nunca gostaste de despedidas. Fugias-me sempre ao último e derradeiro beijo, como quem tem a garantia do amanhã. Falavas como se me tivesses na mão e, contra factos não há argumentos, tinhas-me.
                Tinhas-me onde me querias ter. Querias-me ter contigo para sempre e eu fiquei contigo para sempre. Até morrer de velhice a meio de um orgasmo. Até não suportar mais. Não entendeste uma única palavra do que disse quando te falei de amor. Falei-te de amor com tom de paixão, mas nem assim te serviu. Sempre deambulaste na tua vida como se de um mar se tratasse. Onda sobre onda, pesadelo sobre pesadelo. "A coisa passa", dizias tu.
                Agora obrigas-me a viver este pesadelo e forças-me a ficar nesta loucura oprimida. Eu nunca fui assim. Aliás, gero conflitos comigo mesmo se fico na passiva. Nunca fui de ter esperanças; inércia não é para mim. Gosto de agir, para o bem ou para o mal, porque da ação há-de surgir sempre alguma coisa. Só as pessoas com muita sorte é que podem confiar na esperança. Quem não tem sorte precisa de trabalhá-la, como qualquer um da classe operária.
                Eu sempre fui ferreiro e pensava em ti. Trabalhava na bigorna dia e noite e pensava em ti. E dia e noite, pensava em ti. Acordava, estropiava o despertador e pensava em ti. Adormecia, consertava o despertador e pensava em ti. Dia e noite pensava em ti. Foram dois trezentos e sessenta e cinco dias sempre, sempre a planear o insaneável. Cogitava momentos a sós, momentos incensuráveis de sexo imparável - a pensar em ti.
                O meu trabalho era simples. Em primeiro lugar, o ferro carecia de aquecido até ficar num vermelho brilhantina, por isso punha-o na forja que eu mantinha quente graças ao fole que operava com o suor da minha mão. Depois já podia dar forma e soldar o que tinha a soldar. Tentei soldar a paixão aquecida, mas tu teimaste e não desististe enquanto não lhe lançaste água. Nunca chegou a ser vermelha, exceto quando a pintaste - e mal pintado, já agora, se me permites. Nunca formei nada enquanto te amei e nunca hei-de formar nada enquanto te amar. És o diabo em mulher.

                Estou constipado de amor. Tudo o que me parecem ser soluções, são soluções tão convincentes, viáveis e sóbrias como comer cócó. E comer cócó é uma merda autêntica. Por isso estou entupido de amor. E nada de bom há-de sair enquanto permanecer nesta inação, nesta apatia. Preciso que continues a dar-me com os pés, para toda a eternidade. Quando eu morrer de velhice, prometes que no último instante, no remate final, no meu derradeiro sopro de vida, me dás mais um estalo?

«jd»

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