sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Encandeamento

         Vais ter de ler isto com calma, porque eu sou homem para ter escrito tudo mal. Cuidado. Vá.
         Quando um gajo se apaixona cai no erro de pensar que todos os gajos à sua volta também estão apaixonados. O apaixonado é uma besta.
         Quem alimenta essa besta é apaixonada e também é besta por isso. O amor que o complementa, essa gaja nua e intelectual, é outra besta. É outra besta porque tanto é apaixonada, como também é alimentada pelo animal que se esforça por manter feliz e nutrido.
         Os apaixonados são animais, são bestas. São bestas porque alimentam o outro e são bestas porque são alimentados pelo outro. Alimentam-se mutuamente, as bestas. Unem-se numa cerimónia bestial - de bestas - para comemorarem o ato de egoísmo que os une: serem alimentados e até felizes, porventura. A gaja é apaixonada para ser alimentada e o gajo é o animal que procura a mesmíssima coisa. Eu sei, isto é tranquilo e pateticamente equilibrado.
         O gajo que está apaixonado nunca vai querer saber do gajo que não está apaixonado. Que besta, que animal, é racional? Que animal é racional ao ponto de pensar, por um minuto, no outro animal que não tem o que comer? Nenhum animal tem valores quando está com fome, nenhum apaixonado é misericordioso com os que não estão apaixonados.
         Quando um animal é de grande porte é porque geralmente é uma besta apaixonada. Sendo que é uma enorme besta apaixonada, vai procurar o alimento incessantemente. É óbvio que não vai andar preocupado se os outros animais pequenos - ou gajos de porte inferior - conseguem, ou não, encontrar comida. Nops, não vão.
         No momento em que um apaixonado atinge o pináculo da paixão, deixa de se preocupar verdadeiramente e de forma pura com a felicidade dos outros e, se realmente se preocupa, é unicamente para ter um casal amigo por perto, para ter uma garantia de ter com quem fazer um jantar a quatro. E, como tal, por egoísmo também.
         O apaixonado é tão dono do seu umbigo que não quer saber dos umbigos vizinhos. Nem os olha de frente, porque sabe que "se arriscar olhá-los de frente corre o risco de sofrer encandeamento, que provoca cegueira momentânea e que pode, nos casos mais graves, desvia-lo da sua via, ocorrendo um acidente" - engraçado, também diz disto nos livros de código da estrada. Isto é o típico acidente que acontece quando um apaixonado se desconcentra da sua paixão e passa a concentrar-se na paixão dos outros. Mas sabendo disso, o apaixonado prefere não se desviar da sua via, ou seja, da sua própria paixão e acaba por desviar o olhar, fugindo ao encandeamento e a uma possível colisão ou acidente com a sua paixoneta.
        O apaixonado é vil. O apaixonado é tão fodidamente vil. Só pensa em si e, quando pensa nos outros, é certamente porque tem alguma coisa a lucrar com isso. Só pensa nos outros para manter os seus interesses turn on. Então, muitas vezes, para não ter com o que se aborrecer, o apaixonado deixa de pensar dos desapaixonados, não vá surgir um maldito contágio.
       Quando um gajo se apaixona cai no erro de pensar que todos os gajos à sua volta também estão apaixonados. Mas será isso realmente um erro, ou antes será um ato pensado e refletido?
       É que, afinal de contas, o apaixonado é a besta que todos nós conhecemos e somos.

«jd»

Sem comentários:

Enviar um comentário