domingo, 29 de setembro de 2013

Desoxigenada

        Não é à perda que se reage. Não é à falta que ela faz. Não é à saudade que nos deixa. Reagimos à perda porque a perdemos, porque era tudo o que de mais acessível nos havia e que agora, tão subitamente, já não nos é.
        Ela (a perda) não nos fazia falta, mas estava lá. Estava lá bem antes de ser perda. Lá no controlo em que só nós a tínhamos. Estava sempre lá, na nossa mão, tão bem guardada, virgem, tão pomposamente virgem e só para nós. Não era perda antes de ser perda. Muitas vezes perdemos coisas só porque nos são abdicadas. Essas coisas fogem-nos porque não soubemos como aproveitá-las ao máximo. Aproveitar ao máximo uma coisa não se trata apenas de a utilizar vezes e vezes sem conta. Não. É a necessidade, o dever de saber como usá-la o melhor possível e o menor número de vezes possível, como se fosse a última vez.
        Não é essa falta que nos faz reagir. Não é a saudade que deixa. Disparar cegamente para o ar não é algo que, ao comum mortal, possa deixar saudade. O facto de sabermos que a tínhamos e que já não a temos, isso sim, faz-nos reagir. Mas.
        Mas é essa perda de controlo que nos faz loucos. A ausência de poder. A falta de poder que antes tínhamos e que agora já não temos. Ninguém se pode sentir mais vazio que aquele que perdeu controlo sobre algo. É essa perda de controlo que nos faz loucos.
        A saudade que nos incendeia os pulmões é aquela que já não está sob a nossa alçada. Perdemos-lhe o controlo e ficamos sem ar. Vezes demais àquelas a que nos deveríamos expor. Somos, como tal, expositores da nossa própria amargura. Somos os masoquistas da nossa própria dor. Somos os intelectuais que, como qualquer outro idiota, deita tudo a perder e que depois fica com saudades. O idiota com saudades é o intelectual com saudades.
        Não haverá nenhuma palavra que descreva melhor a saudade que a palavra merda. É nela que nos afogamos quando sentimos saudade. É dela que respiramos o ar sujo das nossas ações sujas. Os pensamentos sujos só surgem quando agimos com sujidade. Ficamos na merda, uma merda que faz merda. Nenhum modo de pensar nos trará o que perdemos. Por tanto pensarmos, acabamos por nos habituar a apenas pensar. Acomodamo-nos. Pensar não nos oxigena o peito. Pensar só provoca mais remorso, mais culpa e, inevitavelmente, mais e mais saudade. Merda.
        É da saudade desoxigenada que vivemos, todos os dias, o remorso. O remorso de não ter feito nada de bom e de jamais fazer algo de não-mau.
        Oxalá mudemos. Por nós. A saudade.
        Esta saudade.

«jd»

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